criticismo radical parte 10.5 as teorias raciais e as teorias sexuais como intrínsecas na análise das relações do capital.
Como vimos no último artigo sobre a influência da crítica da dissociação valor, vamos aqui aprofundar nossos olhares críticos para a obra de Denise Ferreira da Silva, essa filósofa é uma das filósofas mais importantes da filosofia racial, mas antes de falar dela vamos passar por alguns teóricos que abordam essa questão, como Fanon, Florestan Fernandes, lélia Gonzalez, Bell hooks, etc.
A obra de Fanon para além de Fanon
Esse subtítulo é um ponto muito interessante para se partir, com o criticismo radical tem-se a noção de seguir três princípios para autores que contribuíram e muito para a teoria, no caso de Fanon é defender Fanon, ir contra Fanon para ir além de Fanon, vamos nos basear a análise nesses princípios, a primeira obra de Fanon que iremos analisar é "pele negra máscara branca" uma obra muito importante que denuncia o racismo em todas as áreas inclusive a formação de uma branquitude na Argélia (onde ele vivia), no início da obra ele diz:
"Em reação à tendência constitucionalizante do final do século XIX,
Freud, por meio da psicanálise, exigiu que se levasse em conta o fator
individual. Ele substituiu uma tese filogenética pela perspectiva
ontogenética. Veremos que a alienação do negro não é uma questão
individual. Além da filogenia e da ontogenia, existe a sociogenia. Num certo
sentido, em resposta à exortação de Leconte e Damey,
digamos que se trata,
neste caso, de um sociodiagnóstico.
Qual é o prognóstico?
A sociedade, ao contrário dos processos bioquímicos, não está imune à
influência humana. O homem é aquilo que faz com que a sociedade exista. O
prognóstico está nas mãos daqueles que anseiam abalar as carcomidas
fundações do edifício."
Dentro dessa citação de Fanon existe um erro chamado de erro do ponto focal na sua análise, mas o que é um erro do ponto focal, esse erro consiste quando um autor ele atravessa sua análise pela formulação geral correta, mas tem um erro no seu ponto principal de análise. O erro de Fanon alí é tratar a sociedade como uma causa do adoecimento psíquico, mas ela não é o problema, é a consequência do problema, mas qual é o problema? Nesse caso de Fanon o problema é o racismo estrutural da sociedade capitalista na África, no entanto falar em racismo estrutural neste século é no mínimo uma falta na profundidade do racismo na sociedade capitalista, o melhor termo para se adotar é racismos estruturais, porque o racismo estrutural carece em dizer em qual sentido se faz essa estrutura e em que finalidade, o racismo é estrutural em todas as áreas do capitalismo de diferentes formas.
Observe que o autor cita sobre uma sociogenia, mas o que é isso? A sociogenia é no pensamento de Fanon um princípio transcultural que articula as dimensões sociais, econômicas, culturais e subjetivas, veja o que ele diz sobre:
"O negro deve travar a luta nos dois níveis: visto que eles, em termos
históricos, se condicionam mutuamente, qualquer libertação unilateral será
imperfeita, e o pior erro seria acreditar numa interdependência mecânica
entre ambos. Além disso, os fatos resistem a uma inclinação sistemática
desse tipo, como mostraremos.
A realidade, ao menos desta vez, exige compreensão total. Uma solução
deve ser apresentada tanto no nível objetivo quanto no subjetivo.
E não adianta vir proclamar com ares de “caranguejo-violinista” que o
que é necessário é salvar a alma.
Somente haverá desalienação genuína na medida em que as coisas, no
sentido mais materialista possível, tiverem voltado ao seu lugar."
Veja a genialidade de Fanon de no século XX desenvolver uma crítica aos marxistas tradicionalistas que usam todas as cartas de defesa a objetividade contra uma subjetividade, mas também desenvolve uma crítica aos apologéticos da subjetividade, Fanon é o primeiro marxista a defender uma junção entre objetividade e subjetividade, afinal somos seres subjetivos em um mundo objetivo, como ele também apontou muito bem, a alienação é dada por formas objetivas que impactam no subjetivo, não adianta buscar tratar a alma ou qualquer forma subjetiva para provar uma desalienação, se faz necessário uma mudança nas formas objetivas que provocam a alienação, mais tarde ele diz:
"Conferimos importância fundamental ao fenômeno da linguagem. É por
isso que consideramos necessário este estudo, que deve nos fornecer um dos
elementos de compreensão da dimensão para-outrem do homem de cor,
tendo em mente que falar é existir absolutamente para o outro.
O negro tem duas dimensões. Uma com seu semelhante e outra com o
branco. Um negro se comporta de modo diverso com um branco e com outro
negro. Que essa cissiparidade seja consequência direta da aventura
colonialista, não resta nenhuma dúvida… Que ela alimente sua veia
principal no coração das diversas teorias que pretenderam fazer do negro o
lento encaminhamento do macaco ao homem, ninguém ousa contestar. São
evidências objetivas, que expressam a realidade."
O espectro da linguagem é um fator essencial nas formulações teóricas decoloniais, quando Fanon diz que o falar é o ato de existir para outro, coloca-se em foco uma análise sobre o impacto da variação linguística no contato entre o branco e o negro, o colonizador e o colonizado. Ao falar que o negro se comporta de forma diferente com o branco e com o seu semelhante, ele deixa bem claro quem é o semelhante do negro e quem é o branco, mas quem são? O semelhante na teoria fanoniana são os povos oprimidos como os povos originários por exemplo, enquanto o branco é a representação dos povos repressores, europeus. Branco não se condiz a cor da pele, mas a posição que a pessoa exerce na relação de poder, a cor de pele clara é branca dependendo do lugar, por exemplo, se um brasileiro ir para a Inglaterra, independente da cor de pele, ele será tratado como negro, a não ser que o homem exerça uma relação de poder significativo no Brasil. A diferença entre pessoas brancas e pessoas de pele clara abre margens para muitas questões baseadas em um equívoco de análise, vamos tratar da maioria delas:
1. Se a pessoa de pele clara não é necessariamente branca, o homem claro pode sofrer racismo?
Pode, mas não dá mesma forma que o negro, temos uma visão unilateral do racismo, mas do outro lado do racismo existe a branquitude, onde pessoas com pele clara são obrigadas a se portarem como brancos mesmo não sendo, um exemplo é uma pessoa com a pele clara que vive na periferia, mas trata os negros como pessoas inferiores mesmo na relação de poder eles sendo iguais, essa obrigação é inconsciente, a sociedade trata o branco e o claro como iguais, quando eles não são, todo branco é claro, mas nem todo claro é branco.
2. Essa análise não é de classe?
Não, veja bem, Fanon não enxerga uma separação na análise de classes e na análise de raças, quando falamos que o branco é quem tem uma relação de poder não falamos que um negro que consiga uma relação de poder se torne branco, ele se torna uma anomalia social das relações de classe, normalmente as pessoas de pele clara tem mais facilidade de terem poder social e econômico pois ele é construído de geração para geração através de um processo de acumulação primitiva, mas a sociedade brasileira é um caso complexo que acaba escapando da ótica Fanoniana, pois é uma sociedade miscifenada, onde tem a pequena possibilidade de um negro ter poder caso ele seja filho de um branco, resumindo, a análise Fanoniana é uma análise de classe-raça. Em "os condenados da terra" Fanon diz:
"Cada geração, dentro de uma relativa opacidade, tem de descobrir a sua missão, cumpri-la ou atraiçoá-la. Nos países subdesenvolvidos, as gerações anteriores resistiram ao trabalho de corrosão realizado pelo colonialismo e, ao mesmo tempo, prepararam a maturidade das lutas actuais. Deve abandonar-se o costume, agora que estamos no coração do combate, de reduzir ao mínimo a acção de nossos pais ou fingir incompreensão perante o seu silêncio e a sua passividade. Eles lutaram como puderam, com as armas que então possuíam e se os ecos da sua luta não repercutiram na esfera internacional, deve saber-se que isso não se verificou por falta de heroísmo, mas pela situação internacional muito diferente. Foi necessário que mais de um colonizado dissesse «isto já não pode continuar», que mais de uma tribo se revoltasse, mais de uma sublevação camponesa dominada, mais de uma manifestação reprimida, para que hoje pudéssemos levantar a cabeça com esta certeza de vitória.
A nossa missão histórica, para nós que temos tomado a decisão de romper as malhas do colonialismo, é ordenar todas as rebeldias, todos os actos desesperados, todas as tentativas abortadas ou afogadas em sangue."
Aqui Fanon faz um trabalho fenomenal para a construção do conceito de revolução inteligente,cada geração dentro de uma relativa opacidade tem ações revolucionárias específicas, o que isso quer dizer necessariamente? Fanon aqui estabelece que uma revolução deve ser feita analisando a realidade local da sociedade e cada grupo revolucionário tem uma determinada função, a luta revolucionário é na teoria fanoniana uma luta decolonial, mas vamos explorar melhor essa citação. Quando Fanon fala "Eles lutaram como puderam, com as armas que então possuíam e se os ecos da sua luta não repercutiram na esfera internacional, deve saber-se que isso não se verificou por falta de heroísmo, mas pela situação internacional muito diferente." Prestem atenção quando ele diz que a luta revolucionário foi feita com as armas disponíveis para eles, esse livro foi escrito em 1961, estamos em 2024, as nossas armas aumentaram de quantidade e de tipos, vamos citar alguns exemplos que a gente pode encontrar com a tecnologia atual:
1. Formar um grupo de profissionais na área da programação para proteger os dados do exército revolucionário e pegar os dados dos inimigos, de forma simples, ser um grupo de ataque e defesa cibernético (qualquer ataque feito por meio da internet será antecipado e neutralizado por essa equipe)
2. Formar um grupo de profissionais na área da engenharia, biologia, química e física para a construção de novas armas para o exército revolucionário.
3. Uma equipe de profissionais nas diversas áreas da saúde para a prevenção de doenças e na criação de primeiros socorros na revolução, cuidando da saúde física e mental dos camaradas.
4. Um grupo de geógrafos (geólogos, geofísicos e geopolíticos) para traçar a melhor estratégia de ataque e defesa em cada região, possibilitando uma redução significativa nos danos (esse grupo atuará junto com o grupo indígena, por serem povos originários daqui eles conhecem muito bem as áreas rurais do Brasil o que ajudará nessa estratégia de batalha).
Mas o que essas teses tem haver com as teses de Fanon? Ele disse que os membros da luta anticolonial lutaram com suas armas, e, no começo diz que cada um tem a sua tarefa em específico para a concretização da revolução, ou seja, o Antônio que é médico cardiologista não vai ter a mesma função revolucionária que a Maria que é engenheira mecatrônica, as tarefas revolucionárias são diferentes dependendo da região e do indivíduo. A teoria de Fanon encontra varias lacunas no seu escopo onde os marxistas com toda a prepotência de não reconhecer as próprias falhas percebem essas falhas em Fanon como estruturais a teoria dele e que não existe nada de útil nele, mas vamos ao longo desse artigo mostrar como essas lacunas não são estruturais, são só uma análise em falta na teoria de Fanon, vamos analisar a obra fanoniana "colonialismo digital" de Walter Lippold:
"A sociedade onde se medeiam os caminhos e os sentidos do assombroso
desenvolvimento tecnológico em curso segue sendo a velha sociedade
capitalista, em todas as já conhecidas facetas da automação voltada à
extração e valorização do valor, mas essa “velha” demonstra ter
rejuvenescido ao dar à luz “novas” possibilidades de exploração e
dominação. Um novo que não rompe com o velho, mas o atualiza. É essa
atualização que nos interessa, mas ela não pode ser entendida sem um
exame preciso daquilo que ela mantém e intensifica."
O autor quer apontar duas coisas, o primeiro é que a tecnologia avança na era do capital; a segunda coisa é que a tecnologia se tornou uma nova arma do capital, esboçando uma nova fase do colonialismo, o colonialismo digital, vamos observar o que ele diz em seguida:
"A curiosa constatação a que se chega é a de que não há capitalismo
“imaterial”, assim como não é possível existir software sem hardware.
Mesmo uma emulação de hardware por software – como no caso de
programas que simulam consoles de videogames antigos – está dentro dos
circuitos de produção, circulação e consumo capitalistas. A “mágica”
tecnológica que permite armazenar remotamente volumosas informações
em nuvens virtuais ou mesmo a validação e a inclusão de novas transações
de blockchain só são fisicamente possíveis, em seu estrondoso consumo de
energia, mediante um volumoso investimento em capital constante e capital
variável, dispostos entre infraestrutura pública ou privada de eletricidade,
internet, hardwares supervelozes e, sobretudo, constante investimento em
pesquisa e em força de trabalho altamente qualificada."
O capitalismo retornou um debate presente na filosofia grega sobre a existência de algo imaterial ou não, o autor sustenta a argumentação de que não existe um capitalismo "imaterial", o problema é que essa constatação está incompleta, vamos primeiro analisar o que seria a imaterialidade e o que seria essa tese do capitalismo "imaterial"
Quando falam de imaterialidade estão propondo que existe um objeto fora da esquemática material e que não depende da materialidade, um exemplo disso é a consciência, que para alguns é uma coisa imaterial. A proposta de um capital imaterial é a existência de um capital que ignora as formas materiais que estão presentes em outros capitais. Essa tese se sustenta durante a fase tecnológica, onde o capital pode muito bem ser armazenado em uma nuvem de dados. O problema em si é que a tese da imaterialidade acaba sendo feita por falta de investigação crítica da realidade. Todo pressuposto "imaterial" tem laços na realidade, ou seja depende da materialidade, pondo a consciência humana de exemplo, se não existe um ser consciente, não existe consciência, ou seja, a consciência depende de um corpo para existir, o capital imaterial segue na mesma lógica, a nuvem de dados que armazena o capital tecnológico depende de seu corpo, no caso a bateria, os computadores, etc.
Florestan Fernandes e a proposta para um marxismo brasileiro
O sociólogo Florestan Fernandes foi conhecido por todos os estudiosos da teoria comunista, como o primeiro a propôr uma sociologia marxista na sociedade brasileira, veja a sua fala sobre democracia racial no Brasil em "o negro na sociedade de brancos":
"A ideia de que existiria uma democracia racial no Brasil vem sendo fomentada há muito tempo. No fundo, ela constitui uma distorção criada no mundo colonial, como contraparte da inclusão de mestiços no núcleo legal das “grandes famílias” – ou seja, como reação a mecanismos efetivos de ascensão social do “mulato”. O fundamento pecuniário da escravidão e certos efeitos severamente proscritos, mas incontornáveis da miscigenação, contribuíram para que se operasse uma espécie de mobilidade social vertical por infiltração, graças à qual a composição dos estratos raciais dominantes teve de adquirir certa elasticidade.
No entanto, mau grado a extensa variabilidade do fenômeno ao longo do tempo e do espaço, tomou-se a miscigenação como índice de integração social e como sintoma, ao mesmo tempo, de fusão e de igualdade raciais. Ora, as investigações antropológicas, sociológicas e
históricas mostraram, em toda parte, que a miscigenação só produz tais efeitos quando ela não se combina a nenhuma estratificação racial. No Brasil, a própria escravidão e as limitações que pesavam sobre o status do liberto convertiam a ordem escravista e a dominação senhorial em fatores de estratificação racial. Em consequência, a miscigenação, durante séculos, antes contribuiu para aumentar a massa da população escrava e para diferenciar os estratos dependentes intermediários, que para
fomentar a igualdade racial."
A proposta ilusoria da democracia racial que veio tomando conta do brasil desde 1888 com a abolição da escravidão se demonstrou nada mais do que isso, uma ilusão fabricada pelas elites dominantes do pais para maquinizar os oprimidos, a proposta de uma igualdade racial se demonstrou na pratica uma forma de retirar do sujeito a capacidade de enxergar a miseria estrutural que o capitalismo tem a oferecer para seu povo. Uma fala muito importante do Florestan Fernandes é a questão da miscigenação no brasil como forma de reforçar a desigualdade racial dentro da sociedade brasileira, pois ela teria sido acoplada a uma estratificação racial, vamos lembrar que o processo de pós abolição da escravidão, levou os escravos a viverem de forma precaria, justamente por não ter existido um plano de igualidade racial concreto para esses povos. no livro "o que é revolução?" ele diz:
"A grande maioria dos países de origem colonial sofreu um desenvolvimento
capitalista deformado e perverso. Muitos não lograram ter um desenvolvimento
agrícola entrosado com o desenvolvimento urbano interno e poucos conseguiram
um patamar de desenvolvimento industrial capaz de alimentar a formação de um
proletariado industrial relativamente denso. Como consequência, não
conheceram as reformas típicas da revolução burguesa, descrita por muitos
historiadores como revolução agrícola, revolução urbana, revolução industrial,
revolução nacional e revolução democrática. Essas cinco transformações se
encadearam entre si — o exemplo “clássico” mais citado é o da Inglaterra; mas
também se consideram como tal os da França e dos Estados Unidos (neste, as
sequelas da origem colonial iriam se manifestar principalmente na concentração
regional do desenvolvimento, na segregação, discriminação e preconceitos
sociais, étnicos e nacionais e no fechamento do sistema democrático a duas
opções controladas pelas elites das classes dominantes). Outros países de
burguesia mais ou menos débeis e articuladas a aristocracias poderosas ou a
burocracias influentes conduziram a transformação capitalista a níveis
igualmente altos, compensando o poder econômico, social e político da
burguesia pela centralização política, como aconteceu, de formas distintas, na
Alemanha e no Japão — e produziram grandes manifestações dos tempos
modernos da civilização industrial capitalista. Os povos de origem colonial ou
não partilharam dessa evolução do capitalismo, ficando à margem das
verdadeiras vantagens dessa civilização, ou participaram dela como colônias,
semicolônias e nações dependentes, o que gerou várias formas de
desenvolvimento capitalista controlado de fora e voltado para fora, no sentido de
que as estruturas e os dinamismos de suas economias e de suas sociedades
estavam sempre nucleados a centros externos, que exerciam ou pelo menos
compartilhavam do comando da exploração capitalista. Alguns desses países de
origem colonial conheceram o não-desenvolvimento, outros o subdesenvolvimento, e todos tiveram enormes parcelas da riqueza nacional transferidas para o exterior, alimentando o esplendor do florescimento do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos (ou no Japão)."
Aqui pode e deve existir um dialogo muito forte entre a teoria decolonial de Fanon com a tese incontornavel de Florestan Fernandes sobre a impossibilidade de uma revolução nacional de caratér comunista, Fernandes começa a desenvolver no começo da citação a tese que a revolução nacional é em si uma pauta burguesa de nacionalização das classes e essa nacionalização é uma pauta muito estrategica quando se trata em frear o movimento comunista, pois como diz Marx o proletariado não tem terra, ao convencer o proletariado do contrario, convencer que ele tem patria, os nacionalistas enfraquecem a força de uma possivel revolução comunista, estando no maximo na frente de uma possivel revolução stalinista com as castas burocraticas formadas no poder politico e economico, como foi na URSS na China, em Cuba, na Coreia Popular, etc. Mas como encaixamos a teoria de Fanon aqui? veja o que ele diz em "alienação e liberdade":
"A doença mental, numa fenomenologia que deixaria de lado as grandes
alterações da consciência, apresenta-se como uma verdadeira patologia da
liberdade. A doença situa o doente num mundo em que sua liberdade, sua
vontade e seus desejos são constantemente violados por obsessões,
inibições, contraordens e angústias. A internação clássica limita
consideravelmente o campo de ação do paciente e lhe interdita qualquer
compensação e qualquer deslocamento, restringindo-o ao espaço fechado
do hospital e condenando-o a exercer sua liberdade no mundo irreal dos
fantasmas. Não surpreende, portanto, que o paciente só se sinta livre em sua
oposição ao médico que o mantém preso. Todos os psiquiatras sabem que
os pacientes mais difíceis de tratar, isto é, de manter no hospital, são os que
se encontram na fase inicial da enfermidade, os que pensam em se cuidar
por conta própria, os que não se entregaram. Objetivamente, os pacientes
que lidam mal com a internação são justamente os menos desorganizados –
os neuróticos, os que têm pequenas paranoias e delírios menores. Por outro
lado, a fórmula diurna, em geral, é rejeitada pelos pacientes que têm um ego
inativo, invadido pelo delírio, e que exigem insistentemente tutela integral."
Aqui Fanon propõe que as ditas doenças mentais são ferramentas alienadoras para prender os indivíduos na lógica mortífera do capital, Fanon é o primeiro de muitos a começar a fazer uma crítica demolidora aos DSM e a sua lógica de patologização dos diferentes, por exemplo o TOD (transtorno opositor desafiador), que é conhecido também como o transtorno da castração, pois qualquer pessoa que desafie uma autoridade para o DSM é plausível ter TOD, mas de que forma isso se relaciona com a proposição feita por Florestan a respeito da impossibilidade de uma revolução comunista a nível nacional? De forma simples, tanto a nacionalização das classes quanto a castração mental feita pela Psicologia burguesa para acusar os revolucionários de doentes mentais são instrumentos do capital contra uma possível insurgência revolucionária, e, no caso das doenças mentais ela se modifica, o modo de identificação de um transtorno é modificado conforme a necessidade do capitalismo. Continuando com Florestan Fernandes, ele em uma entrevista a folha de são Paulo responde a uma pergunta "quais seriam as classes hoje?":
"Esse é o grande dilema do cientista social: hoje você não tem como identificar uma classe que pareça vinculada à negação da ordem. Eu acredito que na periferia o problema é mais simples. São os trabalhadores e principalmente os excluídos, os que Frantz Fanon chamou de "condenados da terra". Eles contêm a radicalização maior, aquela que exige que a ordem existente seja virada de cabeça para baixo. Nos países centrais, ainda não surgiu uma classe que tenha a potencialidade de negação da ordem no plano histórico. Está no plano do vir-a-ser. O radicalismo da classe média é muito mais vinculado a frustrações, ao medo da proletarização, enquanto os trabalhadores e os excluídos acabam sendo trabalhados pelos meios de comunicação de massa e só percebem a realidade por meio de imagens que obscurecem o pensamento."
Aqui podemos retornar a Marx e a Engels, pois existe uma discussão muito interessante a respeito do que é classe e o que é ordem. A classe como Marx apresenta não é uma descoberta dele exatamente. Em uma carta ele diz:
"No que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna nem a sua luta entre si. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes, e economistas burgueses a anatomia económica das mesmas. O que de novo eu fiz, foi:
demonstrar que a existência das classes está apenas ligada a determinadas fases de desenvolvimento histórico da produção;
que a luta das classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado;
que esta mesma ditadura só constitui a transição para a superação de todas as classes e para uma sociedade sem classes."
Existe muitas coisas interessantes para desenvolver a partir dessa carta a respeito de como as classes se comportam dentro das sociedade produtora de mercadorias. As classes para a análise de Marx são indissociáveis ao capital, ou seja, a existência de classes depende exclusivamente da existência do capital e das suas aparências, frente a isso uma citação de Marx que podemos pegar é a primeira tese contra Feuerbach:
"O principal defeito de todo o materialismo existente até agora – o de
Feuerbach incluído – é que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, só é
apreendido sob a forma do objeto [Objekt] ou da contemplação; mas não como
atividade humana sensível, como prática, não subjetivamente. Daí decorreu que
o lado ativo, em oposição ao materialismo, foi desenvolvido pelo idealismo –
mas apenas de modo abstrato, pois naturalmente o idealismo não conhece a
atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis [sinnliche
Objekte] efetivamente diferenciados dos objetos do pensamento; mas ele não
apreende a própria atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche
Tätigkeit]. Razão pela qual ele enxerga, na Essência do cristianismo, apenas o
comportamento teórico como o autenticamente humano, enquanto a prática
é apreendida e fixada apenas em sua forma de manifestação judaica-suja. Ele
não entende, por isso, o significado da atividade “revolucionária”, “prático-
-crítica”."
Nessa formulação posta por Marx pode-se desenvolver melhor a explicação de que as classes e o sistema socioeconômico vigente são indissociáveis perante a análise do materialismo crítico de Marx. Nosso querido velho desenvolve anos antes de Florestan Fernandes e de Fanon a análise de classes e da ordem social do capitalismo, Marx diz que a luta de classes leva necessariamente para o fim das classes em si, assim como Fernandes diz que conforme a alienação e o fetichismo se fortalecem a análise das classes em si se torna impossível, pois para considerar a análise de classes no período atual é preciso fazer uma análise da totalidade a cerca disso.
Lélia Gonzalez e a defesa de uma filosofia afro-brasileira
A filosofia de Lélia Gonzalez tem uma importante contribuição para o criticismo radical quando se trata de teorias raciais, no livro "por um feminismo afro-brasileiro" ela diz:
"Os termos “afro-american” (afro-americano) e “african-american” (africano-
americano) nos remetem a uma primeira reflexão: a de que só existiriam
negros nos Estados Unidos, e não em todo o continente. E a uma outra, que
aponta para a reprodução inconsciente da posição imperialista dos Estados
Unidos, que afirmam ser “A AMÉRICA ”. Afinal, o que dizer dos outros países da
AMÉRICA do Sul, Central, Insular e do Norte? Por que considerar o Caribe como
algo separado, se foi ali, justamente, que se iniciou a história dessa AMÉRICA ? É
interessante observar alguém que sai do Brasil, por exemplo, dizer que está
indo para “a América”. É que todos nós , de qualquer região do continente,
efetuamos a mesma reprodução, perpetuamos o imperialismo dos Estados
Unidos, chamando seus habitantes de “americanos”. E nós, o que somos,
asiáticos?
Quanto a nós, negros, como podemos atingir uma consciência efetiva de
nós mesmos enquanto descendentes de africanos se permanecemos
prisioneiros, “cativos de uma linguagem racista”? Por isso mesmo, em
contraposição aos termos supracitados, eu proponho o de amefricanos
(“amefricans”) para designar a todos nós ."
Esse jogo de linguagem proposto pela lélia é muito interessante pois estabelece no campo da linguagem e da arte um cenário de luta e resistência dos povos oprimidos, mas esse é um tema para tratar mais adiante, vamos focar agora nos sentidos da amefricanidade, como a própria lélia sustenta o ser brasileiro foi rodeado pelas teorias eugenistas do começo do século passado que buscavam apagar o papel fundamental do negro na construção desse ser brasileiro, o retorno desse negro nas teorias sobre o ser brasileiro é de suma importância, pois o que lélia vai fazer é mostrar a impossibilidade de uma universalidade ontológica. A autora também vai entender o fenômeno do racismo estrutural e vai ser a primeira a colocar ele a luz do mundo, mas diferente da obra pífia de Silvio Almeida, lélia Gonzalez afirma que é impossível o racismo estrutural existir sem o sexismo estrutural, as opressões étnicas e de gênero são em todos os sentidos possíveis interligadas. Mas o que interliga essas opressões? Bem, Marx já tem a resposta: o capital. Sim o capital é o ente que interliga as opressões e nisso podemos falar sobre o homo modernus da Denise:
"Por que a força produtiva da analítica da racialidade, já articulada por Du Bois na década de 1930, passou desapercebida tanto pelas teorias raciais críticas quanto pelas críticas pós-modernas sobre o pensamento moderno? Apesar de poder explorar como certas opções teóricas e metodológicas — na verdade, a impossibilidade de abrir mão dessas escolhas para explorar como elas se tornaram as únicas possibilidades disponíveis — limitam a compreensão sobre os agentes político-simbólicos na configuração global contemporânea, vou abordar o determinante que me parece ser o mais importante, isto é, a presunção de que o racial é uma “fabricação ‘científica’”, um significante da ansiedade colonial sempre-já branca e de seus interesses econômicos; que é incapaz de refigurar a universalidade ou a historicidade, ou os descritores que a tese da transparência autoriza. Agarrando-se às promessas da historicidade, que já haviam sido articuladas por Renan no fim do século XIX, os trabalhos que compõem o arsenal crítico recuperam a universalidade da diferenciação para escrever os “outros da Europa” como sempre-já sujeitos históricos e posteriormente se movem para capturar um momento anterior à subjugação racial, em que esses sujeitos já são históricos e desfrutam da transparência antes do engolfamento. Embora produtivo, esse gesto inclusivo aglomerou a política de reconhecimento com incontáveis sujeitos históricos, expondo e gritando suas diferenças culturais. Além disso, ele comprovou que ter uma “voz”, isto é, ser ouvido como um Eu transparente subalterno, não dissipa os efeitos da racialidade.
Por quê? Porque o efeito fundamental da resolução dos momentos anteriores da analítica da racialidade, os que foram articulados pela ciência do homem e pela antropologia, na lógica de exclusão sócio-histórica (a qual escreve o racial como estratégia de poder imprópria) foi o de “naturalizar” a subjugação racial, ou seja, escrevê-la como efeito da “lei (divina) natural”. Isto se dá ao situar as causas da subjugação racial no teatro da natureza divina, ou seja, o relato do natural que antecede à sua apropriação pelas diversas versões da peça da razão — ou o nomos universal, a poesis universal, a poesis transcendental e o nomos produtivo.
Exatamente por isso, qualquer mobilização posterior das ferramentas do nomos produtivo para abordar a subjugação racial reescreveria a diferença racial como uma obviedade “empírica”, isto é, como algo que não precisa ser teorizado, um conceito que não pertence à cena da regulação (universalidade) nem à cena da representação (historicidade), exatamente por ser um atributo “individual” conferido por Deus que erroneamente (irracionalmente) torna-se um princípio regente das configurações sociais modernas."
Podemos destrinchar a citação de Denise com algumas partes, o primeiro deles é o fato que toda teoria marxista racial se origina do papel de cada "raça" na cadeia produtiva, sem buscar entender para além do fenômeno, vamos pegar o exemplo do próprio Fanon a teoria decolonial surge a partir dos estudos do papel produtivo dos povos colonizados na reprodução globalizada de mercadorias, até mesmo as críticas de Fanon a psiquiatra trata desse mesmo princípio e aqui não estou dizendo que é uma postura errada, ela é incompleta porque leva a complexidade subjetiva da sociedade a uma análise simplista objetiva. Vamos pegar a análise racial mesmo para além das motivações econômicas, por muito tempo foi defendido na teoria comunista que o racismo tem origem econômica, mas isso é uma inversão de valores a economia nasceu do racismo e do patriarcado, a produção de mercadorias não deve ser o ponto de análise para o estudo do racismo, muito pelo contrário, o racismo deve ser analisado para estudar a economia. Essa inversão de valores é fabricada para desvirtuar a luta antieconomica da luta antiracista, com o propósito de poder existir racismo fora da sociedade do capital, mas isso pressupõe uma defesa dessa sociedade racista, pois a luta econômica é indissociável da luta antiracista.
Quando falo que o racismo que originou a economia, não estou dizendo que o racismo é natural do ser humano, ele nasceu em um período que permitiu ele se ascender na sociedade, as disputas territoriais na Europa durante a Grécia antiga e a antiga Roma foram o estopim desse nascimento do racismo, mas ele vai para além desse período como uma herança desses povos, a naturalização do racismo pressupõe que é impossível ele deixar de existir, o que não é verdade, as comunas primitivas não tinham uma base racista (e com isso falo das comunas européias, africanas, americanas e asiáticas, os povos que vulgarmente são conhecidos como indígenas no Brasil), mas uma base forte na cooperação dos sujeitos, sem distinção de gênero, sexualidade e "raça".
agora voltando para a Agnes vamos para mais uma de suas falas:
"A violência total contra pessoas dissidentes do sistema sexo/gênero é constitutiva desse mundo e de sua ontologia. Por isso, é possível dizermos que o sistema sexo-gênero, que realizar e é constituindo pelos pilares ontoepistemológicos da modernidade capitalista e colonial, é fundamentalmente uma guerra ontológica hipermaterializada. Além disso, isso explica porque a violência total cismasculina é uma violência que se autopressupõe, na medida em que ela cria o próprio mundo sobre o qual ela se exerce: ela cria infraestruturas materiais e intraestruturas (pilares e descritores ontoepistemológicos do pensamento moderno) que lhes são próprias, identidades enclausuradoras e violáveis, regimes de distribuição desigual dos recursos e da violência etc."
É muito difícil utilizar de termos tão abstratos como "violência" para tratar de assuntos complexos, muitos podem questionar dizendo "a violência é real" sim ela é, mas também é abstrata porquê assume formas diferentes dependendo da situação (pode ter mais de uma forma de violência para uma mesma situação), mas dizer isso pouco importa, precisamos definir o que exatamente é violência em forma geral. Para isso vamos começar entendendo que violência tem dois caminhos originais que formam todos os outros, a violência física e a violência emocional (ou psicológica), outro ponto que devemos ressaltar que violência é uma ferramenta e por ser ferramenta está isenta de moral intrínseca, toda ferramenta transborda a moral de quem carrega ela e com a violência não é diferente, pode-se definir a questão da violência para quem possuí a ferramenta e para quem não a possuí, mas afinal o que é essa violência? É a essência da sociedade de classes e a sua decadência ao mesmo tempo, ela é uma ferramenta porque não demostra interesses, ela é dominada para assegurar a sociedade de classes mas deve ser usada como forma de se defender da mesma, com a diferença que a violência revolucionária nunca pode agir sozinha, diferente da violência do capital que aparece como única alternativa para defender o capitalismo de uma queda inevitável.
Agora indo para a questão do sistema sexo/gênero pode-se encontrar nele um grande problema antropológico de padronização binária. Dentro do capitalismo o sistema sexo/gênero é refletido em dois polos de um espectro ilusório "homem e mulher" feito para delegar funções no papel reprodutivo do capital. Uma coisa que acaba confundindo muita gente é o surgimento do sistema sexo/gênero e ele surge no capitalismo justamente através de uma tentativa de categorizar os sujeitos em grupos isolados tendo como única justificativa a genitália, assim utilizando a mesma forma de classificação de animais irracionais para classificar humanos. É muito difícil caracterizar gênero em tribos indígenas porque gênero não existe para eles, não faz parte da construção social desse povo, o sistema sexo/gênero é uma característica intrínseca do capitalismo.
Na revista trans libertária temos outra passagem:
"Se não é possível sermos incluídas nesse mundo, é porque já fomos
incluídas, desde o início, por nossa própria exclusão. Todas as categorias,
aparentemente neutras, que enformam às formas de vinculação na
modernidade são, internamente, cindidas e quebradas pela sexualização e
racialização: trabalho, dinheiro, mercadoria, concorrência, Estado, Lei,
democracia, sujeito, igualdade etc. Não é possível torná-las mais
“democráticas”, pois o projeto de mundo que elas constituem é sustentado
na/pela violência. O que a violência total explicita é, justamente, o núcleo
arbitrário desse mundo e sua indiferença ética constitutiva diante das mortes
de vidas que não podem ser abarcadas em sua universalidade vazia."
Essa fala da Agnes é muito interessante porque vai contra a ideia clássica da inclusão de pessoas trans na sociedade por conta da repressão que elas sofrem, mas é justamente essa repressão que às inclui na sociedade, a própria exclusão de pessoas trans fazendo parte da reprodução de capital começa a incluí-las na sociedade justamente para reprimi-las. O modo de reprodução da sociedade utiliza da violência como forma de direcionar os sujeitos que fogem da lógica da reprodução para voltar a essa lógica ou para descartar eles. Todas as formações teóricas de gênero mostra um caminho, o caminho da abolição de gênero, mas ainda precisamos ver outras perspectivas para ver como funcionária uma sociedade sem os papéis de gênero, para isso vamos ver a questão em Butler, Rubin e os teóricos contemporâneos.
O debate de gênero do século XX e XXI
Quando falamos de teoria de gênero não demora muito para que falem de Judith Butler, mas a sua teoria muitas vezes sofreu de uma má interpretação dos seus autores, muitas vezes por conta de uma visão equivocada de como a Butler entende o sistema sexo/gênero (essa visão equivocada vai ser vista mais adiante com a Taylisi Leite). No livro "corpos que importam" Butler diz:
"A relação entre cultura e natureza suposta por alguns modelos de 'construção' de gênero implica uma cultura ou um agenciamento social que atue sobre uma natureza que, em si mesma, é suposta como superfície passiva, fora do social, e também sua contrapartida necessária. Uma questão que as feministas levantaram, então, é se o discurso que figura a ação de construção como um tipo de carimbo ou imposição não seria, na verdade, tacitamente machista, enquanto a figura da superfície passiva, à espera do ato de penetração pelo qual o significado é dado, não seria tacitamente ou — talvez – bastante obviamente feminina. Estaria o sexo para o gênero como o feminino está para o masculino? "
Butler nesse trecho já põe uma questão fundamental para a teoria da abolição de gênero, o estabelecimento de uma crítica de uma cultura natural da sociedade como forma de construção de gênero como inerente ao sujeito, mas se olharmos profundamente para essa questão, a desconstrução de gênero que Butler propõe acaba provando que o gênero tem um fim em si mesmo, como um discurso sobre o discurso. Mas um erro que Butler comete na análise é de não por a desconstrução de gênero sobre a luz da crítica da economia política onde podemos dizer que a formação desse sistema sexo/gênero é parte intrínseca da reprodução do capital. Respondendo a pergunta no final do parágrafo, sim e não, a relação de sexo e gênero tem suas peculiaridades e semelhanças com a relação entre o feminino e o masculino, o masculino e o feminino estão dentro de uma relação de reprodução de mercadorias (sujeitos trabalhadores) e no papel estabelecido dessa reprodução de mercadorias, onde o feminino acaba sendo responsável tradicionalmente pelo trabalho doméstico e o masculino por trabalho popularmente conhecido como trabalho, tradicionalmente, pois ainda tem núcleos familiares onde esses papéis de gênero não são padronizados na reprodução do capital, onde temos mulheres no trabalho industrial ou homens no trabalho doméstico, essa relação não exclui as relações estabelecidas pelo sistema sexo/gênero, onde o gênero serve para dividir os sujeitos em padrões artificiais e o sexo serve para justificar esses padrões artificiais com pressupostos biológicos buscando uma semelhança em comum dos sujeitos pela sua genitália, provocando uma separação binarista do sujeito excluindo os corpos de pessoas interssexo na análise de gênero, assim utilizando dos pressupostos de classificação de animais irracionais para a classificação de seres humanos. No livro "quem tem medo de gênero" Butler diz:
"Os argumentos sobre diferenças biológicas baseiam-se frequentemente na presença ou na falta de capacidades reprodutivas distintas, mas tais alegações tendem a se assentar em uma concepção de corpos diferenciados que estão parados no tempo. As mulheres não podem ser definidas por sua capacidade reprodutiva por todos os motivos que as feministas nos ensinaram ao longo dos anos. Falando francamente, nem todas as mulheres têm capacidade reprodutiva, e seria tolo e cruel dizer que, consequentemente, essas mulheres não são realmente mulheres, em especial se elas se entendem dessa forma. E se algumas pessoas com capacidade reprodutiva não são mulheres, isto é, se essa capacidade biológica não define a identidade de gênero delas, e ainda assim querem ter direito a dar à luz ou a fazer um aborto por todas as razões que outras pessoas querem, por que não deveriam ser incluídas na classe de pessoas aptas a poder reivindicar tal direito?"
Nesse ponto Butler entra no caminho para perceber que a definição de identidade de gênero é algo social e não individual, não podemos definir o ser mulher na sua capacidade de reprodução, pois nem toda mulher é capaz de se reproduzir, mas então o que é ser mulher? De maneira geral o ser mulher dentro da reprodução do capital acaba levando a uma oposição do ser homem, tudo que o ser homem é, o ser mulher detém a sua oposição, pois eles são separados na reprodução do capital, toda a desconstrução de gênero caminha no sentido que o sistema sexo/gênero é intrínseco da reprodução de mercadorias, assim a definição biológica de gênero e sexo embora não utilizada ainda é estabelecida, pois acabamos utilizando de uma assimilação sócio-biológica para definir o sistema social como as frases "o trabalho transformou o macaco em homem" levando essa visão vulgar da evolução humana para uma ordem de gênero.
O discurso de gênero aparece como uma padronização institucionalizada pela linguagem dos povos reprodutores de mercadoria, no debate desconstrutivista de gênero acaba entrando em uma certa confusão anti pós moderna que os marxistas acabam provocando, onde (para eles) o desconstrutivismo acaba desvirtuando da análise materialista, mas o que acontece na realidade é que o desconstrutivismo de gênero é em essência uma análise materialista crítica. Quando falamos da briga entre Taylisi Leite e Carine Ferreira estamos falando de duas pessoas que não entenderam a completude da obra de Butler e de Roswitha Scholz, veja o que a Carine diz no seu artigo "a Butler de Taylisi Leite ( ou como não ler Judith Butler)":
"Se os equívocos da própria Scholz são expostos no texto – seja ao inferir que toda perspectiva teórica não marxista abordada é idealista ou que a teoria queer é uma mera assimilação das reconfigurações do capital -, também é justo destacar que a pequenez de Taylisi Leite, recentemente autodeclarada maior feminista marxista da América Latina, não se reduz aos erros de sua própria mestra. O contraste entre o fácil acesso ao conjunto da obra butleriana no Brasil e a escolha de referenciar apenas a obra inaugural de seu pensamento sobre gênero demonstra o tipo de abordagem enviesada que a autora intencionava desde o princípio."
Veja, os supostos equívocos da Scholz simplesmente não existem, falar que para Scholz toda teoria não marxista é idealista só propõe as bases de uma má leitura da Scholz, onde ela é contrária da análise butleriana de gênero, para Scholz toda análise de gênero tem que estar intrínseco com uma profunda análise anticapitalista, mas não significa uma análise partindo do gênero em si mesmo seja negativo na visão de Scholz, o problema que Roswitha enxerga na Butler é que ela não análise a história e o papel exercido pelo sistema sexo/gênero no sistema reprodutor de mercadorias, reduzindo as suas análises em uma mera essência do gênero, essa visão equivocada da Scholz é repassada no próprio livro da Taylisi Leite onde é dito que a teoria de Butler é completamente contrária do feminismo de Scholz, muito pelo contrário no primeiro artigo dessa sequência (o criticismo radical parte 10) vimos como a Scholz não tem leitura da Butler mas a sua leitura não pode ser descartada nem nada, tanto as admiradoras da Scholz quanto as de Butler devem admitir que as duas visões não são opostas, na revista trans libertária é dito:
"A normatividade inerente a qualquer cultura em todos os seus âmbitos
emprega formas habituais e comuns sobre como as coisas são. Isso não é
pernicioso em si; na verdade, é essencial que haja um conjunto de maneiras
típicas que nos digam como as coisas são, de modo que as práticas de nossa
vida diária possam ser programadas e planejadas de forma mais ou menos
rigorosa e fundamentada. Se não tivéssemos regras, por exemplo, que nos
permitissem identificar o que é comestível do que é venenoso, a humanidade
já teria desaparecido prontamente. Além disso, entendemos que tais regras
têm uma origem histórica e que a estabilidade dessas regras está sujeita à
discrição daqueles que compõem a comunidade. A normatividade da cultura,
essas regras, torna-se problemática, entretanto, quando certas normas,
certos imaginários, certas exigências, certos costumes interferem no bem-
estar ou na liberdade das pessoas e se tornam mecanismos de dominação,
opressão e discriminação. Sexo e gênero se enquadram nessa descrição."
A conclusão de como a normatividade acaba sendo uma patologia social aceita pela sociedade é só uma evolução na análise da sociedade atual onde tem essa concepção como ponto de início, o sistema sexo/gênero só pode existir no capitalismo porque é no capitalismo e só nele que a padronização de sujeitos acontecem em massa esquecendo as suas diferenças causando uma separação entre grupos com uma característica em comum e milhares de diferenças e o diálogo entre grupos serve só para a reprodução de mercadorias. Como é dito no trecho a normatividade é inerente a qualquer cultura, no entanto a normatividade da cultura capitalista é trans excludente.
Considerações finais
Ao decorrer desses dois artigos podemos ver como as teorias de raça e gênero são intrínsecas da crítica da economia política, através da leitura de diversos autores podemos ver que que a análise criticista radical caminha para um próximo passo na análise, os próximos artigos será criticando organizações ditas como comunistas, espero vocês ano que vem para a parte 11.
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