criticismo radical parte 16: atualizações.

O propósito desse artigo é atualizar o criticismo radical, e o que isso quer dizer? Irei criticar e complementar as informações feitas ao decorrer das 16 partes até então (aquelas que forem necessarias criticas e complementações, ou aquelas que eu conseguir).

Comentários sobre "o criticismo radical parte 1" 

Aqui foi o início de tudo, o criticismo radical sobre sua forma mais embrionária, tendo obviamente algumas falhas, eu começo:

 "O primeiro passo para entender o criticismo radical é o porque de sua existência, a critica radical sempre existiu, mas nunca foi aderida como um pensamento próprio, isso porque não houve a necessidade de reivindica-lo até agora, mas um momento em especifico da minha vida enquanto marxista me fez pensar, existe um movimento de pessoas que estão reivindicando o legado do velho marx, mas nunca passaram a analisar o seu objeto de estudo na atualidade: a sociedade em si."

Aqui reside dois erros substanciais,1) o primeiro passo para entender o criticismo radical não é entender o porquê da sua existência, isso inclusive pouco importa, para entender o criticismo radical não existe primeiro passo, a consciência crítica radical através do estudo crítico é o mais importante, entender o porquê do criticismo radical ter sido criado no máximo vai importar para os que buscam se aprofundar na história desse pensamento em si; 2) ao dizer que a crítica radical sempre existiu, mas não foi aderida como pensamento próprio porque não existia essa necessidade é uma mentira, a crítica radical até o criticismo radical ser formado sempre esteve em um estado de semi-existencia, ela não existe e existe ao mesmo tempo, autores como nagarjuna, Aristóteles, Spinoza, Kant, hegel, Marx, etc. usavam a crítica radical, mas nunca colocaram ela como eixo fundamental dos seus respectivos pensamentos, mas isso não é a falta de necessidade para tal ato, o criticismo radical não foi fundado por nenhum desses autores por conta do período histórico em que viviam, para a crítica radical surgir precisou de séculos de avanço teórico e prático em várias áreas do conhecimento, os autores que mencionei não conseguiriam criar o criticismo radical por conta da fraqueza da crítica radical na época deles se comparado a ideias sem fundamentação crítica, o cabo de guerra existente no pensamento desses autores sempre pendeu para o lado oposto a crítica radical, exceto em Marx quando esse pensamento alcançou um estado de equilíbrio. A falta da critica radical no movimento comunista do seculo passado não se deu a nenhuma questão como não existia essa necessidade (porque ela existia), mas sim para como a critica radical era utilizada pelos autores mais serios da epoca como um instrumento teorico, o criticismo radical tira a critica radical de um status secundario e o torna a coisa mais importante para a teoria e para pratica revolucionária. Mais adiante eu falo:

"Eu fui por muito tempo uma pessoa dogmática e hipócrita pois defendia o maoismo, onde na teoria defende um movimento antidogmático mas na totalidade são o completo oposto disso, com o tempo eu fui percebendo que existia algo de errado com o maoismo, e comecei a ver que não era só no maoismo, isso acontecia desde o marxismo com Engels, com o tempo de análise e estudo, surgiu a necessidade de retomar o princípio fundamental da filosofia kantiana, o criticismo, mas, não pode ser qualquer criticismo, tem que ser um radical, onde tinha como princípio máximo, a falha está presente para todos, se seu texto não tem erros na primeira vista, leia novamente até encontrar o erro e elimina-lo."

A minha relação com o maoismo não durou tanto tempo quanto tá escrito aí, eu me tornei maoista em 2023 lendo o oposição ao culto de livros que apesar de um livro simples, nenhum marxista que eu tinha lido até então chegou a falar disso de forma tão direta, se você não sabe sobre algo fique quieto e estude até conhecer, no entanto conforme eu fui estudando o maoismo, mais eu percebi o quanto essa filosofia é só uma replicação das filosofias conservadoras de kautsky. Outro erro cometido nesse artigo de origem do criticismo radical é colocar o criticismo radical como a radicalização do criticismo kantiano quando isso não é correto, o significado da categoria crítica dentro do criticismo kantiano é diferente do significado no criticismo radical, enquanto a crítica de Kant é só a demonstração do porque aquelas ideias criticadas são falhas, a crítica dentro do criticismo radical busca investigar o erro, estudar o erro e o seu entorno, explicar o erro e o porquê dele ser um erro, depois disso encontrar uma solução para o erro e substituir ele por um acerto, essa crítica é radical porque vai nas raízes mais profundas da sociedade e não deixa pequenos erros escaparem da crítica, o erro insignificante de hoje é a contrarrevolução de amanhã, sendo assim a única inspiração que tivemos de Kant é o nome criticismo.

Nessa primeira parte é notório a minha imaturidade a respeito da ciência, onde eu defendo uma libertação do conhecimento a partir da abolição da ciência defendendo a tese que a ciência é uma corrente para o conhecimento humano que acaba limitando esse conhecimento de florescer para além da nossa imaginação atual, o meu erro aqui foi feito devido a uma falta de análise sobre o verdadeiro problema da limitação do conhecimento humano. O problema dessa limitação não é a ciência em si, mas o segregacionismo científico, essa separação das ciências em grupos e a separação das ciências dentro desses próprios grupos, a solução por tanto é a unificação das ciências como eu acabei propondo nas partes 13 e 14 do criticismo radical onde eu faço os primeiros ensaios sobre a organização criticista radical.

Comentários sobre o criticismo radical parte 2

A segunda parte do criticismo radical representou na curta historia do criticismo radical até hoje a prova inevitavel que essa teoria é uma teoria aberta e ilimitada, mesmo assim nesse artigo eu acabo esquecendo de fazer algumas criticas pertinentes a alguns autores que eu coloquei, como é o caso de Wittgeinstein onde eu só correlacionei uma citação dele com a leitura epistemologica do capital, eu utilizo essa citação de Wittgenstein: 

"A verdade de certas proposições empiricas pertence ao nosso sistema de referência."(sobre a certeza)

Aqui cabe duas interpretações na qual eu só utilizei uma delas, a primeira é entender a verdade como sinônimo de conhecimento e assim a tese de Wittgenstein é algo do tipo "o seu conhecimento sobre certas coisas pertence ao seu sistema de referência" mostrando também a limitação do conhecimento e a possibilidade de aumentar ele através da expansão desse sistema de referência e foi essa a interpretação que eu usei no artigo, no entanto tem uma outra interpretação, onde a verdade não é interpretada como sinônimo de alguma categoria, essa interpretação é conhecida como uma interpretação literal dessa tese, ou seja, quando falamos que 2 + 2 é 4 isso é uma verdade que pertence ao nosso sistema de referência, mas caso a gente queira explicar essa verdade, nada garante que ela se demonstre falsa a partir de outro sistema de referência. Veja o que eu falo depois de utilizar essa citação:

"O que temos representado nessa formulações de Wittgenstein? Simples, para Wittgenstein a verdade de certas coisas para um sujeito só pertence ao seu sistema de referência, ou, o seu conhecimento empírico.

Mas, qual é a correlação entre esse trecho e o anterior feito por Marx? Assim como a utilidade da mercadoria depende do corpo de mercadorias, a verdade de certas proposições empíricas pertencem a um sistema de referência, esse sistema de referência é esse corpo da verdade, por exemplo, quando o professor pergunta, qual é a fórmula da água? E você responde H2O, essa resposta é verdade, mas ela só se torna verdade por conta que é conhecido, foi analisado e estudado por alguém que passou para outro até chegar no seu professor e ele passar para você, construindo para si um sistema de referência."


Eu entro dentro de uma discussão na qual eu não desenvolvo, justamente porque essa tese de que o corpo da verdade de certas preposições é o nosso sistema de referência está errada fundamentalmente, tanto que para justificar essa afirmação eu uso a analogia da fórmula da água para dizer que essa informação é verdadeira (a fórmula da água ser H2O) porque ela faz parte do nosso sistema de referências, no entanto, nessa mesma analogia, vamos pegar o sistema de referência de uma criança que nunca aprendeu a fórmula da água na vida, essa criança não tem essa resposta dentro do sistema de referência dela, então a verdade não existe sobre aquele fenômeno? Não, primeiro a gente precisa situar o que raios é a verdade, a sua natureza e as implicações dela na teoria do conhecimento. Quando falamos de "verdade" costuma-se enfocar uma universalidade dessa categoria, como se fosse algo imutável, quando na sua realidade não é bem assim, o conceito bruto de verdade é a formulação sobre certo objeto que mais se aproxima da sua essência, por exemplo, quando estudamos os animais, a teoria que chega mais próximo da essência deles no sentido de sua origem é a teoria da evolução, logo a evolução é verdadeira, mas aqui a gente precisa se adentrar em uma questão muito importante, a própria natureza da definição de verdade mostra a mutatividade da verdade, quanto mais se investiga um objeto e quanto mais ele muda, mais a verdade sobre ele também se modifica, e essa também é uma das questões mais importantes para entender a importância da verdade na teoria do conhecimento, justamente porque a verdade se torna a conclusão de todo um processo de investigação sobre aquele assunto em específico, logo a fórmula da água ser H2O é verdadeira porque tivemos uma investigação durante anos para chegar a essa conclusão, o que é diferente da minha resposta onde o sistema de referência é a prova dessa preposição ser verdadeira.

Mas a pergunta fica, então existe mesmo uma leitura epistemológica do capital? Existe e diferente do que fez parecer nesse artigo é mais de uma leitura epistemológica possível, eu nesse artigo só utilizei um parágrafo do capital como prova de uma leitura epistemológica possível, mas existe a possibilidade de fazer uma leitura epistemológica da obra inteira e esse é o trabalho no qual eu estou me dedicando para escrever e publicar, sobre as teses epistemológicas do capital dentro de um cenário de atualização necessária dessa obra de Marx. Essas leituras epistemológicas do capital são fundamentais para entender como foi o início da teoria do conhecimento revolucionário. Diferente do que eu falo no texto, eu não preciso de outra obra para provocar um diálogo entre elas, assim criando uma nova leitura, isso pode se feito com a leitura da própria obra, infelizmente para vocês a leitura epistemológica do capital só vai estar disponível daqui a alguns anos, no entanto, podemos já dando uma introdução do que há por vir.

Diferente do que Anselm Jappe afirma na sua obra "as aventuras da mercadoria", a obra magna de Marx não é um escrito antropológico, embora os escritos de Marx tenha sim suas devidas influências nos escritos antropológicos da época, o capital não se trata de um escrito antropológico, filosófico, sociológico ou econômico, na verdade ele é tudo isso e mais um pouco, o capital se caracteriza como a primeira obra crítica ao capitalismo que realizou uma investigação (e com isso uma escrita também) arbórea, mas o que séria isso? O pensamento arbóreo é um dos critérios diagnósticos para a superdotação ou altas habilidades, essas pessoas com pensamento arbóreo costumam conectar suas ideias em teia (tanto que outro nome para o pensamento arbóreo é pensamento em teia), ou seja, correlacionar o seu pensamento filosófico com o antropológico, econômico, ecológico, matemático, etc. "O Capital" é uma obra arbórea porque acaba partindo de vários pontos de análise (econômica, filosófica, ecológica, matemática, física, química, antropológica, etc.) que se conectam como uma teia de aranha.

O primeiro livro do capital começa com o axioma de toda a sua análise da sociedade capitalista, a mercadoria é a forma elementar do capital e por tanto sua análise depende dela.


"A riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma “enorme coleção de mercadorias”, e a mercadoria individual como sua forma elementar. Nossa investigação começa, por isso, com a análise da mercadoria."

ao analisar essa simples frase de marx podemos trazer com um recurso chamado analogia, varias leituras possiveis nesse parágrafo, quando marx diz que "a riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma "enorme coleção de mercadorias", e a mercadoria individual como sua forma elementar", também existe aqui uma critica epistemológica, o conhecimento acumulado na sociedade capitalista também é derivado a tranformação do conhecimento em mercadoria, mas assim como a forma valor entra crises cíclicas, o conhecimento na sociedade capitalista segue o mesmo caminho. O capital pode ser interpretado como uma crítica a epistemologia na era da sociedade do capital, entender isso é de vital importância para compreender como a sociedade capitalista na produção científica produz as mesmas crises cíclicas que a sociedade produtora de mercadorias tem, justamente porque a produção científica na era do capital também exerce uma função importante na reprodução de mercadorias, um exemplo disso é as revoluções tecnológicas que aumentaram a produtividade do capital e autonomizaram o processo.

Um adendo, nessa atualização não vai ter críticas ou complementação a parte 3 do criticismo radical justamente porque me falta estudo de gastronomia e de nutrição para exercer qualquer crítica, então eu irei direto para a parte 4

Comentários sobre a parte 4

A revolução inteligente com toda certeza é a tese mais importante do criticismo radical, mas ao longo da parte 4 eu esqueci de colocar muitas coisas que legitimem a necessidade da revolução inteligente existir, então nessa parte do artigo, a complementação vai ser referente a revolução inteligente em si e não no artigo propriamente dito.

A primeira realidade social na qual eu irei analisar para afirmar a importancia da revolução inteligente é a capital de São Paulo, justamente porque eu moro na cidade e porque eu tinha escrito um texto no medium muito parecido analisando a sociedade paulista e as tarefas revolucionarias dos comunistas da cidade, na época do artigo eu ainda sofria do resquicio da filosofia maoista, então essa nova analise serve tanto como uma complementação da revolução inteligente, quanto como uma critica a esse meu artigo do medium.

São Paulo é a maior cidade do Brasil quando o assunto é o número de pessoas morando aqui, isso já dá uma vantagem tremenda quando o assunto é a criação de um movimento revolucionário diverso, agora vamos para as lutas sociais existentes nessa cidade tão populosa. A cidade de São Paulo apresenta hoje crises sociais devidos a um tipo de conflito do Estado modernizador entre si, o primeiro dado que iremos ver é a situação de fome na região, os dados mais recentes dizem que cerca de 1,4 milhões de pessoas passam fome na cidade, dentro desse dado alguns podem dizer que a solução para isso é simples é só distribuir comida para essa gente, mas isso não condiz com a realidade, como poderemos ver essa situação de fome que ocorre na cidade não é isolada dos outros sistemas sociais, esse problema da fome é derivado de outros problemas intrínsecos da sociedade modernizadora.Em novembro do ano passado a cidade de são paulo vivenciou 89.951 pessoas em situação de rua, um numero 38,7% maior do que em novembro de 2023 (esse é o dado mais recente que eu achei).Na cidade de São paulo aproximadamente 15% da população vive em comunidades que segundo dados de 2022 seria o equivalente a 1.717.500 habitantes, bem o numero de pessoas não condizem com o dado das pessoas com fome, mas isso não decorre do fato que nem todas as pessoas que vivem em situações precarias como essas passam fome, não é assim que funciona, o dado da fome mostrado acima não reflete a insegurança alimentar, além disso, alguns dados aqui são mais atualizados que os outros. Veja que as desigualdades apresentadas aqui não são nada separadas entre elas, mas elas não são o problema a ser destruído e fazer os comunistas acreditarem que o objetivo dos revolucionários é simplesmente resolver as desigualdades do capitalismo é o objetivo dos reformistas contemporâneos, as lutas sociais só alcançam a superfície do capitalismo, e aqui vai uma crítica a trotsky sobre uma frase dele no programa de transição:

"A tarefa estratégica do próximo período – período pré-revolucionário de agitação, propaganda e organização – consiste em superar a contradição entre a maturidade das condições objetivas da revolução e a imaturidade do proletariado e de sua vanguarda(confusão e desilusão da velha geração, inexperiência da nova). É preciso ajudar as massas no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Essa ponte deve conter em si um sistema de reivindicações transitórias que parta das atuais condições e consciências de amplas camadas da classe trabalhadora e conduza, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado."

Primeiro vamos entender que trotsky escreve o programa de transição no começo dos anos 1930, então sabendo disso vamos para o primeiro erro dessa fala de trotsky, em um período onde as insurgências revolucionárias estavam surgindo, dizer que o próximo período é o pré revolucionário acaba contendo uma certa incongruência, como o período pré revolucionário é o posterior do período revolucionário? Alguns camaradas trotskystas podem argumentar assertivamente que o período das insurgências revolucionárias também foi o período contrarrevolucionario, mas ainda sim, essa frase de trotsky ainda está errada, não existe um tempo histórico revolucionário, acabar colocando "períodos" revolucionários ou pré revolucionários é um reducionismo de todo o processo revolucionário, no caso é uma negação da revolução como uma construção socio-histórica, e nisso carrega um problema gigantesco que é acreditar que a revolução surge do nada, onde existe um período não revolucionário dentro das lutas sociais, o que evidentemente é mentira, a revolução russa por exemplo não foi no período de 1917-1922,  ela aconteceu desde plekhanov criando o POSDR no final dos anos 1890, a revolução russa teve altos e baixos ao decorrer do seu desenvolvimento, colocar só as altas desse período como "revolucionário" é negar todas essas dificuldade e assim indiretamente acaba jogando elas para debaixo do tapete, afastando qualquer possibilidade de crítica. Essa tese do trotsky se desenvolve para um caminho muito parecido com o que Kurz crítica do chamado "marxismo do movimento operário" e qual é exatamente o problema desse "marxismo"? Uma leitura acrítica da luta de classes, inclusive da própria classe em si, e aqui existe uma confusão muito grande, não se trata de negar a luta de classes ou as classes em si, mas é questão de entender essas categorias como insuficientes se isoladas dessa forma, veja a sociedade não é feita só de divisões de classe, muitas sociedades comunais viviam e vivem até hoje como uma forma de cooperatividade entre as massas dessas formas sociais, contudo ao analisar as classes e a própria luta de classes acabam por esquecer que a sociedade depende de cultura, de educação, de ciência para sobreviver (a invenção da roda é a prova que a ciência já existia em povos primitivos, mesmo que de forma rudimentar), até mesmo as classes dentro dessa luta os marxistas do movimento operário não estudam, entender o que causa as classes é um passo muito importante para buscar a superação desse sistema de divisão da multidão em classes. Muitos marxistas ou anarquistas podem dizer assertivamente que o Estado é a origem das classes, mas nisso decorre outras questões, o porquê da criação das classes e o como elas foram criadas..
Para responder essas duas perguntas vamos voltar para os primeiros anos da sociedade mercantilista ou também conhecida pelos apologéticos do marxismo como era da acumulação primitiva, o que eu quero dizer com isso? As classes são estruturais do próprio sistema de produção de mercadorias, sem ele, elas deixam de existir. Mas você que é um excelente leitor pode questionar "mas não existia uma separação social na sociedade desde o Egito antigo?" Sim existia, mas essa separação não se configura exatamente como classe, as classes é uma separação social derivada da produção de mercadorias, é uma separação essencial para essa produção, mas as outras formas de separação social é derivação das formas produtivas presentes na época, a produção nessas sociedades não eram produções de mercadorias, mas sim só produção mesmo, a separação social é natural de um sistema produtivo e essa separação encara diversas formas conforme o sistema produtivo muda de forma, lembrando obviamente que uma sociedade comunista não tem separação social justamente porque a sociedade conseguiu se desenvolver de tal forma que a separação social perdesse sentido, mas um dos motores dessa evolução da separação social é a especialização, ou seja, conforme o conhecimento científico útil para a produção de mercadorias começou a evoluir e passar para a mão de um grupo de pessoas em específico, essas pessoas acabam se tornando privilegiadas dentro do proletariado, não é exatamente uma classe nova, mas é um grupo que acaba tendendo ao burocratismo de classe. O conceito de classe se torna insuficiente para analisar as lutas sociais na sociedade capitalista a partir do momento em que essas lutas deixam de ser classista e se tornam lutas de gênero, de etnia, de sexualidade, etc. Essas lutas podem adquirir um carácter de classe, mas elas por si só estão em constante negação de um carácter de classe, justamente por ser outro campo de batalha na esfera social, por exemplo a luta das mulheres, muitas mulheres lutam contra a opressão realizada pelos homens independente da classe na qual eles estão, burguês ou trabalhador, a luta não é contra uma classe, mas com um grupo de gênero em específico, lembrando que isso é só um exemplo de uma luta social separada da luta de classes na sua essência, isso não significa que a luta de classes não tem impacto em algum nível nessas lutas sociais, mas ela não é nem de longe algo fundamental para essas lutas sociais, mas uma complementação delas, a luta de classes se torna só uma luta social entre muitas as outras. 

Essa frase de trotsky também mostra a sua tese bem consolidada do que seria o programa de transição, para trotsky os marxistas precisavam de um programa que ligasse o programa mínimo (os direitos da classe trabalhadora), com o programa máximo (a revolução socialista), mas nisso ele entra em outro problema, não existe essa de programa mínimo e programa máximo como pensava os comunistas daquele tempo em sua maioria, toda tarefa ou programa revolucionário tem como único objetivo a realização da revolução comunista (onde nesse tempo é revolução inteligente). A proposta feita por trotsky dizendo que a gente precisa conciliar os interesses da classe trabalhadora com a revolução não se difere em nada com as feitas por Lassalle e demais sociais democratas (e aqui não estou falando dos socialistas que tiveram que usar o nome da social democracia para se salvar, mas dá própria social democracia em si), mas vocês podem me perguntar "por que razão essa tese está errada?"  Vamos pensar junto comigo, quais são esses interesses?  Como conquistar esses direitos? E afinal, o que são direitos e onde conquistar?  A primeira pergunta não é possível responder, por algumas razões simples; 1) para saber quais são esses interesses eles precisam ser fixos, o que claramente não é o caso; 2) a classe trabalhadora não existe como um ser, não tem interesses, o que tem interesse são os trabalhadores, mas eles não representam um corpo único com um interesse em comum, eles representam um corpo contraditório na sua essência, lembra do que foi escrito sobre como a luta de classes de nada importa na análise social se comparada as demais lutas sociais? Bem é isso que se aplica para essa questão também, para essa tese ser verdadeira, a única separação social válida é a de classe, surgindo assim um apagamento das lutas sociais pela luta de classes, sendo assim os conflitos de interesse de gênero, "raça", sexualidade, etc. não existem, só o conflito de classe existe, veja que a luta de classes se torna uma espécie de matador de lutas sociais. Agora sobre esses direitos, todo direito é institucionalizado, ou seja, conquistado pela lei, não existe conciliação dos comunistas com o Estado, e nisso as outras perguntas também são respondidas, o Estado concede direitos aos trabalhadores com um propósito simples, cala-los , os direitos dos trabalhadores servem só para acalmar eles e impedir que eles queiram uma revolução, e aqui eu não estou dizendo para incentivar um governo que destrua a classe trabalhadora para assim eles se revoltarem, isso nunca iria dar certo, a questão é mostrar para cada grupo social menosprezado que esses direitos que eles ganham são migalhas e na prática esses mesmos direitos acabam atacando eles, embora eu tenha minhas ressalvas enquanto a ela, Rosa Luxemburgo acertou em cheio quando disse que não existe programa mínimo e programa máximo, a revolução é o mínimo a se fazer. 

Trotsky ao tentar estabelecer um programa de transição mediando as lutas de classe acaba por apagar as diversas lutas sociais e contribuir para a reprodução das reformas do capital, mas ele em si não é o grande problema, os seguidores cegos de suas ideias que defendem uma revolução datada do seculo XX na Russia, como modelo universal para o nosso tempo e para todo o planeta. Um dos trabalhos mais importantes feitos em 2024 foi o do Thiago Canettieri "Periferias, Reprodução social crítica e urbanização sem salário", onde o doutor em geografia acaba produzindo uma investigação profunda do capitalismo na sociedade brasileira fala no primeiro capítulo do livro:

"A noção de periferia, construída pela sociologia urbana brasileira, cumpre um papel elucidativo importante, afinal, “as periferias urbanas se desenvolveram no Brasil como o lugar dos trabalhadores pobres e o lugar para os trabalhadores pobres” (Holston, 2013, p. 197). Desse modo, para compreender a formação do espaço periférico brasileiro, parece ser também importante compreender a particularidade da constituição do mundo
do trabalho num país periférico e dependente como o nosso."

Percebe-se aqui que a noção de periferia acabou se tornando reflexo da estrutura interna do trabalho na formação da sociedade capitalista, essa noção do espaço periférico brasileiro como construída a partir da lógica de trabalho esclarece aqui também o quanto a reprodução da vida social é também produção de mercadorias em sua essência, mais adiante no texto ele diz:

"A formação do mundo do trabalho no Brasil aconteceu a partir de seu engate subalterno e dependente na dinâmica do mercado mundial. O território brasileiro se constituiu historicamente como um espaço para a expansão capitalista explorar recursos naturais e força de trabalho a baixíssimos custos. As formas “atrasadas” de reprodução garantiam a reprodução do contingente para o exército industrial de reserva, e o baixo custo de reprodução da força de trabalho, para o moderno sistema produtor de mercadorias. Segundo o argumento de Oliveira (2003), existe uma “simbiose de contrários” entre relações “não capitalistas” e o próprio desenvolvimento capitalista. Essa dialética garantiu a funcionalização das formas arcaicas de reprodução das pessoas para manter os custos da reprodução do trabalho em um patamar muito rebaixado, permitindo que a economia brasileira continuasse em crescimento."

O primeiro ponto a ser abordado aqui é o que simbiose quer dizer no pensamento de Thiago? Entender isso vai possibilitar uma análise crítica mais elaborada e completa da sua obra, então antes de analisar essa citação toda, vamos debater sobre o que simbiose quer dizer aqui.

Simbiose dentro da biologia é a relação produzida entre parasita e hospedeiro e é nesse ponto que vamos partir. A simbiose dentro da teoria do Thiago se reflete nessa concepção biológica de simbiose, só que nesse caso não é um ser que ocupa o papel de parasita e hospedeiro, mas sim as relações sociais alcançadas. Outro ponto é que essa relação ela acaba facilitando a vida dos dois seres da relação, o personagem Venom das HQs ilustra bem isso, o simbionte precisa do corpo do hospedeiro pra sobreviver, mas em troca ele (hospedeiro) recebe alguns atributos especiais em troca, por um tempo estabelecendo uma relação de anti heróis, onde em troca dessa força toda e da sobrevivência do simbionte, os dois combinaram de somente devorar cabeças de bandidos. Mas por que falar em Venom? Apesar de serem seres com objetivos contrários, ambos encontraram uma forma de se beneficiar em algum grau, obviamente o simbionte recebe mais benefícios justamente por ter o controle da vida do hospedeiro e aqui nas relações de produção acontece a mesma coisa, o capital sendo o simbionte dessa simbiose acaba tendo controle da vida das massas, mas em troca cada parte ganha alguma coisa em algum nível, a burguesia ganha mais privilégios que a classe trabalhadora, mas os moradores de periferia ganham o benefício de continuarem vivos se tiverem sorte. Essa relação é conhecida pelo Thiago como "simbiose de contrários" justamente porque o simbionte e o hospedeiro se constituem de objetivos e subjetividades opostas um ao outro.

Tendo em mente o significado desse conceito muito importante, poderemos agora fazer uma análise crítica muito mais aprofundada do trecho acima. A primeira informação sobre a subordinação do Brasil dentro do cenário da globalização do capital foi um tema bastante discutido por autores da conhecida teoria Marxista da dependência (TMD), mas nessa obra de Thiago, podemos observar um maior desenvolvimento sobre um aspecto que é o ponto crítico da TMD, as relações de trabalho e como o trabalho se relaciona nessa lógica de marginalização da sociedade capitalista, o autor do livro vai se utilizar bastante dos textos da revista exit (Kurz, Scholz, etc.), quando vai falar sobre essa relação do trabalho na própria dinâmica interna e externa da sociedade capitalista brasileira. 

O segundo ponto relevante de análise é a relação dialética estabelecida nesse trecho entre as relações de produção não capitalistas e as relações de produção capitalistas onde o autor vai construir a ideia da simbiose de contrários, e, aqui temos um ponto de relevância essencial para compreender os desdobramentos das relações de poder e de repressão historicamente estabelecidas no Brasil, tendo o sistema capitalista como um motor de transformação, onde todas essas relações acabam se interseccionalizando. As periferias no capitalismo brasileiro se estabelecem mais ou menos nessa relação de dominação mundial do capital nacional pelo capital estrangeiro, criando uma sociedade onde a desigualdade social se torna parte da cultura (criando uma sociedade com uma desigualdade cultural), mas  essa dominação entre os capitais aparentemente de forma externa, na sua essência entre tanto é uma dominação interna, consciente do próprio capital "nacional", não existe uma diferença substancial entre capital estrangeiro ou o nacional além da sua origem de reprodução e nisso entra a questão mais importante, dentro de uma globalização do capital, o desenvolvimento de certos países divididos em primeiro, segundo e terceiro mundo são estabelecidos em certas áreas com a intenção de reproduzir mais mercadorias, inclusive as políticas de bem estar social nos conhecidos países nórdicos é com um fim em específico, reprodução desenfreada de capital, para essa relação estabelecida desde o mercantilismo e que veio sendo desenvolvida dentro desses anos, a vida do sujeito só importa quando ela compromete a segurança do objeto, vivo ou morto, podemos ver essa relação se manifestar materialmente com a polícia (na qual analisarei no próximo tópico) matando dezenas de vidas inocentes em comunidades. Mais adiante o autor diz:

"Diante de uma economia de espoliação (Kowarick, 1979) e de uma estrutura fundiária altamente restrita (Maricato, 1979), as periferias afastadas se tornaram as áreas em que trabalhadores pobres e migrantes em busca de emprego conseguiam se estabelecer. E só o conseguiam na base da autoconstrução de barracos em terrenos que quase sempre eram ilegais e não dispunham da maioria dos serviços e das infraestruturas urbanas. Oliveira (2003) caracteriza essa relação como um dos regimes de trabalho de exploração intensa que permitiram o crescimento econômico brasileiro, o que o autor chamou de “industrialização dos baixos salários”. Considerando que a indústria não absorveu esses trabalhadores de imediato, a solução foi “transferir o custo da moradia, conjuntamente aos gastos com transporte, para o próprio trabalhador” (Kowarick, 1979, p. 35). Dessa maneira, importa lembrar o argumento de Alfredo (2013, p. 31), para quem a urbanização brasileira, que se constituiu pela expansão das periferias como locus de uma população excluída, superexplorada e precarizada,
“foi posta na socialização negativa do trabalho”."

O autor estabelece aqui uma investigação histórica da periferia no Brasil, mas a sua análise contém uma falha de complementação, porque toda essa análise tem um foco maior na análise da periferia bahiana sem levar em conta a formação da periferia nas subjetividades de cada região do país, e, essa análise é muito importante para enriquecer a obra de Thiago com mais detalhes, quanto para se aprofundar nos estudos das subjetividades sociais, então na parte 17 retornarei nessa analise para provar o ponto do Thiago só que através de uma variedade de informações maior.

De maneira geral podemos ver uma análise da periferia como parte de uma lógica de produção industrial e de certa maneira o autor não deixa de ter razão, as zonas periféricas são partes estruturais da relação de produção capitalista, mas diferente da abordagem trazida pelo autor, a periferia ela estabelece um papel muito mais complexo dentro da sociologia urbana, ela é um espaço negativo de trabalho, mas ela também é um espaço de reprodução de mercadorias e aqui entra uma análise de suma importância para a formação teórica e prática da revolução inteligente, a análise do crime organizado como parte intrínseca das relações sociais capitalistas, inclusive respondendo a questão mais pertinente quando se refere a esse tema, o papel do Estado na manutenção do crime organizado.

O crime organizado se reflete na complexidade do crime, normalmente o crime organizado está intimamente ligado a facções (organizações) criminosas, o PCC em são Paulo ou as milícias no Rio de janeiro são exemplos de organizações do crime organizado, mas essas organizações são intrínsecas a forma de produção de mercadorias, e, acima de tudo, é uma forma de manifestação do colapso eminente, muitas vezes o Estado cumpre o papel de assegurar a existência dessas organizações, pode-se notar essa questão se refletimos um pouco, por que mesmo com o Estado tendo os maiores aparelhos de repressão, o crime organizado ainda segue de pé? É através da resposta dessa simples pergunta que chegamos a conclusão, as organizações do crime organizado são partes da máquina estatal e por isso não são combatidas pelo Estado.

Normalmente quando analisamos o crime organizado é de fácil conclusão presumir que as zonas periféricas cumprem um papel relevante para a formação história dele, vamos relembrar como as periferias urbanas surgiram, sendo ao decorrer da história, a marginalização do trabalho, as primeiras zonas periféricas do Brasil são do período pós escravidão, onde os ex escravos não tinham para onde ir, justamente por conta dessa lei de abolição formal do escravismo, onde agora os ex escravos tiveram que ir para as margens da sociedade e muitos deles ainda voltaram para um regime escravista de forma ilegal, ou seja a periferia cumpriu o papel de criar uma reprodução negativa do capital, pois atua de forma oposta aos seus resultados internos, enquanto ela contribui para a reprodução do capital, ela também se torna cada vez mais dissociada dos resultados benefícos dessa reprodução. Uma outra onda de origem das periferias brasileiras foi no surgimento de Brasília, onde as zonas periféricas foram construídas pelos próprios trabalhadores que construíram a cidade, novamente as margens por um motivo, o trabalho deles não era mais útil para a reprodução do capital, no século XXI a periferia se tornou um lugar onde os abandonados pela esfera de reprodução do capital moram (e os seus descendentes), com isso em mente, chegar nas origens e formas do crime organizado não é muito difícil.

O crime organizado é um produto interno da reprodução do capital no Brasil e necessária em vários aspectos da lógica de mercadorias, o que se estende para os "crimes comuns", um exemplo é o roubo, quando alguém rouba seu celular ou qualquer coisa de valor que você possui, obviamente encontrará um jeito de comprar esse item de valor, ou recuperar ele com a polícia, das duas formas você vai estar contribuindo para a reprodução do capital de forma forçada. Outra forma que o crime organizado contribuí na reprodução do capital é o tráfico, vamos cair na real aqui, se o tráfico fosse prejudicial para o capital, ele não duraria tanto tempo assim, existe uma relação dialética entre o crime organizado e a polícia onde não existe a possibilidade de um destruir o outro, os dois lados entendem o outro como necessário, e, mesmo que o crime organizado tenha nascido como uma forma de combate contra o capital nas periferias e comunidades, esse combate se deu de maneira reacionária colocando eles nas mãos do sistema social vigente.

Ainda sobre a revolução inteligente, para além da revolução social e política 

Um dos aspectos da revolução inteligente é que ela é muito mais que uma revolução de destruição do aparato estatal burocrático, ela se estende para todas as áreas da vida, em outras palavras é uma revolução orgânica da sociedade porque é uma revolução das massas em cada engrenagem dessa sociedade.

Quando vamos para o cinema por exemplo, as produções nacionais são jogadas de lado enquanto o espaço pertencente a elas é ocupado por filmes estadunidenses, com uma característica em comum em todos os filmes, eles eram uma forma sutil de propaganda estadunidense em defesa do capitalismo "americano" e os antigos filmes na época da guerra fria era uma grande propaganda contra o capitalismo soviético que até hoje é repassado em séries para demonstrar para o mundo o quanto eles são superiores. Entretanto, alguns filmes nacionais ganharam certa visibilidade, mas por motivos errados, quando a obra era feita como uma critica ao aparato policial militar como forma de repressão do capitalismo no Brasil, a obra fica famosa pela violência do filme, não se importando muito com a crítica nele embutida.  Existe no cinema uma certa lógica de reprodução do capital, ele é a arte mais importante no sentido de alcance, os filmes devem sim ser analisados criticamente pelas massas, mesmo sendo só um entretenimento, as vezes o que nos entretém nos escraviza. Aqui não estou dizendo que o entretenimento é ruim nem nada do tipo, mas sim que a forma como o entretenimento é construído aliena o ser, fazendo o conformismo se tornar natural e a revolta contra a opressão algo inadmissível pelos próprios oprimidos, lutar por um entretenimento que cumpra o papel de entreter ao invés de colocar no entretenimento uma forma de se sentir confortável com sua dor.

A revolução inteligente não acontece também só na área social, política e no cinema, mas em diversas outras áreas, como por exemplo na psicologia, e nesse campo em específico a revolução acontece de duas frentes, contra o conservadorismo psicanalítico e contra o conservadorismo epistemológico da prática baseada em evidências.


No caso psicanalítico podemos observar o conservadorismo em um texto chamado "lugar de cale-se" de Maria Rita Kehl uma psicanalista que demonstrou nessa obra e nas entrevistas a respeito dela um conservadorismo inconsciente nela. Durante toda a obra ela começa falando do movimento identitário defendendo eles, mas começa a articular o texto para um lado oposto do qual teve início, finalizando a obra com um argumento da desunião do movimento identitário, mas ela faz essa "crítica" a luz de um freudismo rasteiro, de fato existe uma certa desunião no dito movimento identitário, mas essa desunião é em toda sociedade, isso é uma contradição da sociedade dentro do próprio movimento revolucionário. Pensar o porquê do movimento identitário ser visto dessa forma é muito importante para compreender como mesmo de forma inconsciente quem defende o movimento de alguma forma vai atacar ele de forma inconsciente, vamos refletir um pouco, os identitários são aqueles que fogem dos padrões sociais, isso não é uma resposta deles para o que eles são, quem é diferente do "normal" é empurrado nesse lugar chamado identitarismo pela própria sociedade, compactuar com esse termo é uma forma de defender essa separação, a Maria utiliza em um trecho do fato de ser descendente de alemão como uma justificativa para criticar o movimento identitário, essa crítica conservadora do sujeito "anormal" pela sociedade, não é algo só de Maria, mas dá psicanálise como um todo, Freud que inicia essa nova era da psicologia, onde o sujeito diferente é visto como um doente que precisa de tratamento. Maria entretanto utiliza da crítica a própria organização como uma organização desunida, de certa forma ela não está errada, mas essa desunião acontece em todas as formas burocráticas de organização.

No caso da PBE a crítica se torna mais extensa, porque engloba um assunto complexo que é a epistemologia. A clínica da PBE opera seguindo três pilares fundamentais, 1) a melhor evidência disponível; 2) a expertise do psicólogo; e 3) as escolhas e decisões do paciente; de primeira vista esses três pilares parecem ser revolucionários, mas quando adentramos neles vamos perceber a fragilidade da PBE causado por uma epistemologia simplista que desconsidera os diversos fatores ao redor na hora da terapia, ao redor do paciente, do psicólogo, da própria construção das evidências. A fragilidade epistemológica da PBE é escondida pelos praticantes dela com um método eficaz na sua superficialidade, o ataque a outras práticas clínicas, fazendo isso eles direcionam o olhar crítico das pessoas a essas práticas ao invés da própria PBE, mas aqui isso não vai acontecer, como criticistas radicais é nosso papel criticar radicalmente as teorias e práticas ao nosso alcance, ou seja, criticar as práticas apontadas pela PBE e a própria PBE também.

Para dar o primeiro passo em direção a epistemologia da PBE é preciso entender o conceito de sujeito dessa doutrina de pensamentos. A PBE segue na sua doutrina filosófica muito das postulações de Skinner e o conceito de sujeito aqui não é diferente, para Skinner o ser é o proprio comportamento e o sujeito é moldado pela natureza comportamentalista do ser, vale lembrar que o sujeito aqui inserido é o homem, Skinner carrega consigo uma visão antropocentrica do mundo, ou seja, ele coloca o ser homem como centro das pesquisas e estudos cientificos subjetivos a propria subjetividade masculina, e a transforma em um dado objetivo universal, e, aqui está outro ponto crucial da critíca radical a PBE, os membros dessa doutrina epistemologica, buscam universalizar uma informação subjetiva de um sujeito A e transformar ela em uma informação objetiva.


Quando tem-se em mente "a melhor evidência disponivel" isso pouco diz sobre a doutrina, afinal, o que é uma evidência para os membros da PBE? uma alteração da realidade pelos meios clinicos? uma mudança natural da sociedade? percebe-se que a "pratica baseada em evidências" é simplesmente uma pratica baseada em uma fantasia de evidência, como assim? Ao não estabelecer um sentido claro de evidências, utilizando esse signo linguistico como um escudo fragil, ele se torna fantastico, por não ter um estudo da PBE sobre o que são evidências (até porque as evidências não conseguem dizer por si o que elas são, quem dira quem segue elas a cegas), o psicólogo dessa doutrina atribui a sua propria visão de evidência para esse caso, assim a questão se torna relativa, "a melhor evidência disponivel", sobre qual perspectiva? Essa é só uma das inumeras limitações filosoficas da PBE, existe as complicações dentro da propria psicologia. Na parte 9 eu comento sobre a mudança de psicologia classista para psicologia critica radical, nesse artigo eu também faço uma dura critica a PBE, essa critica feita nessa parte (a 16) é meramente uma complementação.


A revolução na psicologia foi defendida na historia das revoluções por Ian Parker(de maneira contrarrevolucionária se comparado ao que diz a psicologia critica radical), ele defende uma psicologia revolucionaria no sentido de englobar os saberes psicanalistas (no sentido lacaniano) dentro de uma logica de revolução, a psicologia critica radical entende a revolução na psicologia como um processo complexo de se pensar o sujeito e a revolução, é fundamentalmente uma parte essencial da revolução inteligente que acaba por desencadear diversas outras partes como a revolução na subjetividade.

A revolução subjetiva

Diferente das teoria marxistas ou anarquistas de revolução, os criticistas radicais assumem um caracter de estudo critico ao que essas doutrinas chamam de subjetividade (ou idealismo) e acabam jogando de escanteio, entender a revolução como um movimento radical da sociedade ao todo é essencial para compreender o porquê das formas de revolução do marxismo ou do anaquismo jamais darão certo (alguns como o stalinismo se trata de uma forma de conduzir o capital para um rumo diferente do capitalismo ocidental, mas ainda sim caminhar para sua valorização), a primeira pergunta a ser respondida é, para que uma revolução subjetiva?

A subjetividade pode ser entendida como a relação do ser com si próprio (no sentido ontológico de ser), um exemplo material disso são as relações sociais mais simples como uma conversa com um amigo, o próprio ato de assistir a um programa de TV é um ato subjetivo e aqui entra o que althusser chama de aparelhos ideológicos de Estado, essa tese de althusser carrega alguns erros crassos, mas foi o primeiro grande passo que foi dado na direção correta. O primeiro erro fundamental de althusser é propor a existência de aparelhos ideológicos, ou seja, de instrumentos sociais que influenciem a forma que o sujeito enxerga o mundo, essa tese bastante Weberiana esquece de analisar as relações entre os "aparelhos", qualquer estudo mais aprofundado sabe que a existência de aparelhos ideológicos do Estado é mentira, o próprio movimento da sociedade capitalista caminha como se fosse um, por exemplo para althusser a escola, a televisão e a família são aparelhos ideológicos do Estado, veja que na realidade os três aparelhos são em essência um só, os três se conectam, a televisão é assistida pela família e ela leva as crianças e adolescentes para a escola. por tanto não é um simples fator social que molda a sociedade ideologicamente, mas a própria sociedade como um todo. O segundo erro de althusser é de focar muito na realidade Francesa de sua época que estava passando por uma série de transformações, mas acaba escrevendo o livro como se ela estivesse imutável.


Um passo a ser tomado dentro de uma revolução subjetiva é de entender que não existe uma normalidade humana natural, todo ser "normal" é fabricado para ser assim, o próprio conceito de normalidade é visto desse jeito, um dos trabalhos da psiquiatria moderna é conter os seres "anormais" da sociedade por serem contra a lógica de reprodução do capital, o combate contra a psiquiatria é em essência o combate a favor da subjetividade humana livre, não existe só uma subjetividade, existe infinitas, o papel fundamental do capitalismo nessa área é transformar uma subjetividade que o favoreceu em uma objetividade universal, criando assim uma normalidade forçada, veja como essa lógica capitalista é idêntica a lógica marxista, uma das coisas feitas pelo marxismo é a negação da subjetividade humana e a objetificação da vida social. Tanto o capitalismo como o marxismo andam no caminho do conservadorismo, o marxismo busca mudar algumas estruturas superficiais, mas esquece de derrubar as estruturas que levantam essas outras. De forma geral, um liberal e um marxista só se diferem na forma como o capitalismo devem ser gerido, de resto são todos iguais, a maior prisão não é só aquela que não parece ser uma prisão, mas é aquela que o próprio sujeito cria para si mesmo seja de forma consciente ou inconsciente, essa prisão tem um nome e é a normalidade forçada pela sociedade ou pelos ditos movimentos revolucionários e as pessoas livres são aquelas que não sentem medo nem nada para performar quem elas são de verdade, a revolução subjetiva é fazer os sujeitos se sentirem livre de serem eles mesmos, livre para fazerem o que bem entender com seus corpos, diferente do que os revolucionários do passado entendiam, um sujeito revolucionário é quem luta pela liberdade de seus corpos e pela diferença entre os sujeitos, não existe uma tipificação do que é ser um sujeito revolucionário.

Quando falamos de liberdade de seus corpos, estamos indiretamente falando de uma revolução sexual, afinal que liberdade pode ser alcançada nos corpos sem a tomada revolucionária de nós mesmas? 

A revolução sexual

A liberdade de nossos corpos é uma das propostas da revolução sexual, e obviamente existe um empecilho no caminho dessa liberdade e ela é a pornografia, no caso mais especificamente o "vício em pornografia" que nada mais é que uma repressão dos corpos, a visão da moralidade contra o corpo artístico, quando a arte e os corpos se tornam um só sem um julgamento social de quem consome ou de quem reproduz, acaba sendo criado uma pós pornografia. O marxismo acaba utilizando do argumento que as mulheres no socialismo real gozavam mais, e isso é uma verdade, mas o gozo grande de baixa qualidade ainda é um problema, o gozo das mulheres no socialismo real assim como o dentro do capitalismo ocidental é uma forma de alimentação prisional, não foi concedido nenhuma liberdade de seus corpos, não é exagero pensar que os comunistas acabam resgatando a moralidade cristã dentro dos seus discursos sociais. Quando falamos de liberdade de nossos corpos é uma liberdade individual, usurpar o corpo do outro a força ainda é problemático (não digo "estupro" porque depende do caso no qual o corpo é tomado), a liberdade dos nossos corpos é a liberdade na qual o indivíduo é livre com seu próprio corpo e não com o corpo do outro.

A revolução inteligente não enxerga as diversas revoluções como algo separado 

Apoiar uma revolução inteligente é entender que as diversas revoluções estão operando em conjunto como se fosse uma teia de revoluções, não existe uma revolução sem a outra, como fazer uma revolução social sem uma revolução na psicologia, na subjetividade e sexual? Não existe como, além do mais todas essas revoluções dependem uma com as outras, a revolução inteligente é o nome que foi dado a teia, prosseguir com uma ideia de revolução além das ideias passadas é muito importante para o amadurecimento das análises materialistas dos contemporâneos.

Quando Marx diz que os filósofos apenas interpretaram o mundo, mas o importante era a sua transformação, os marxistas acabam enxergando nessa fala uma luta contra a interpretação do mundo, mas nesse ponto, Marx só está assumindo uma filosofia da transformação, ou a interpretação transformadora onde a transformação do mundo começa pela sua interpretação. Essa frase de Marx é muito importante para compreender como a revolução inteligente opera como uma interpretação transformadora do mundo. No entanto ela não é só isso, mas começa assim, o estudo crítico do mundo é fundamental para a construção revolucionária.

Sobre a parte 5 sobre o amor

A parte 5 do criticismo radical talvez seja o meu texto mais polêmico, mas ainda concordo com tudo o que foi escrito, mas acabei esquecendo de complementar o artigo, existe uma manifestação revolucionária do amor como a Bell hooks descreve em suas obras mas essa manifestação é pluralista ou seja se manifesta de diferentes formas em diferentes pessoas.

Um exemplo disso é o amor próprio, onde ele se encaixa como revolucionário a partir do momento que tem como papel fundamental proteger o sujeito de ataques sentimentalistas, o amor como proteção de si e proteção do outro é revolucionário segundo Bell hooks. 

Um aspecto do amor é que ele é uma emoção vasta e complexa, tentar descrever o amor é estupidez caso o objetivo dessa descrição seja entender o amor, mas a propria descrição é uma forma de amor, você pode estar se perguntando "como descrever o amor é uma forma de amor?" de maneira simples, o amor existe de diversas formas, descrever o amor em toda sua totalidade é impossivel, mas da para descrever o amor na totalidade de quem descreve, então o amor tem como uma de suas infitas formas a sua propria descrição.

A vacuidade do sujeito 

A filosofia budista de nagarjuna é de fato uma peça essencial para qualquer processo de formação critica da realidade de maneira radical, entender o conceito de sunyata é muito importante para o avanço dessa teoria em ascenção. O sunyata é a ausência total que envolve toda a realidade ou a vacuidade gerando um desconforto no ser humano, pois a formação da vacuidade é oposta a constituição do desejo reprodutivo, a vacuidade entra dentro do sujeito mostrando o lado negativo do desejo, a impossibilidade da sua existência material.

A vacuidade dentro de uma filosofia nagarjuniana também indica que a concepção de substancialidade é uma mentira ocidental sobre a realidade, nenhuma particula da realidade tem substancialidade, todos detem o sunyata em cada parte do ser. O sujeito enquanto parte da realidade também não possui substância e detem uma vacuidade dentro de si, porém essa vacuidade é reprimida pelo desejo, nagerjuna sustenta que só seremos livres quando aceitarmos a realidade como ela é, ou seja vazia de essência, mas isso não é algo ruim como muitos podem pensar, por exemplo "se tudo é vazio qual é o proposito?", a resposta para essa pergunta é simples, não tem um proposito ou sentido dentro da realidade e das suas concepções, mas isso não significa necessariamente que esse proposito não possa ser construido, o vazio pode ser usado como uma ferramenta de construção, criando um proposito, um sentido em nossas existências. Um autor muito importante que fala sobre o sunyata é Marco Moura, ele tem um trecho muito importante no seu texto "sunyata - um olhar budista sobre o vazio":

"O ensinamento budista das "três portas da libertação" é uma espécie de guia para nos libertar da prisão. Que prisão? A prisão conceitual que criamos ao nosso redor e que nos ilude com uma apresentação falsa da realidade. Conforme ensinou buda, a ilusão gera sofrimento. Entretanto, os ensinamentos de buda não são afirmações categóricas para aceitarmos sem questionar, ao contrário são setas indicando uma direção. Eles incitam o questionamento das nossas verdades rígidas. O ensinamento das "três portas da libertação" nos mostra o quão inconsistentes são os muros da prisão que nos envolve. Certa vez, um discípulo perguntou ao mestre zen: como posso sair da cadeia de sofrimentos? Ao que o mestre respondeu: quem a não ser você, te colocou nela?"

A vacuidade como um portão da libertação é uma forma muito importante de pensar, a prisão que criamos é feita pela ilusão da completude, um sujeito revolucionário que entende a realidade como ela é se torna livre de si mesmo e ausente de dor e sofrimento. Porém essa liberdade é uma ilusão se pensarmos que podemos ser livres por si, a pergunta do mestre zen demostra a incompreensão do mestre diante de um sunyata ontológico, de fato nos colocamos em uma cadeia de sofrimentos, mas a própria sociedade capitalista se aproveita disso para não deixar essa cadeia ser destruída ou a gente se tornar livres, a liberdade de si é um passo pequeno mas fundamental para todos os outros passos, o fim da cadeia de sofrimento é obra de uma revolução radical contra o sistema de opressão.

A organização criticista radical 

A organização criticista radical sofreu grandes mudanças a nível teórico desde sua origem na teoria do criticismo radical na parte 13 e 14, nessa sessão da parte 16 darei conta de falar sobre como a organização se dá agora.

Pensar uma organização criticista radical é pensar uma série de sujeitos revolucionários organizados pela crítica radical da realidade, não é uma organização hierárquica, mecanicista, mas uma que se comporta como um princípio da natureza social dos seres humanos contra a cadeia de reprodução capitalista. Pensar a organização como algo além do princípio de revolução social é essencial para compreender como esses movimentos se movem, uma organização criticista radical começa através do estudo individual e é continuo até o estudo coletivo e esse estudo é o estudo crítico da realidade.

Qualquer criticista radical precisa entender que a revolução inteligente não é feita por uma forma acritica da pratica, isso definitivamente não faz parte do escopo teorico do criticismo radical. Houve na historia muitos movimentos que o criticismo radical se inspira, mas pensar nessa organização como um conjunto de subjetividades e objetividades em conflito com a sociedade atual e acabam se organizando em prol de um mesmo objetivo é muito mais importante que uma organização que se aproveita do modelo organizativo do capital para ir contra ele, tendo risco de membros fantasmas e de uma formalização de uma radicalidade do mercado dentro da dita esquerda revolucionaria.


Todo criticista radical deve primeiro buscar autoconhecimento antes de buscar uma organização, reconhecer suas limitações e perceber que todos estão fadados ao erro é uma característica de um criticista radical, não devem temer estarem equivocados, deixar de se abrir com os outros sobre sua teoria é um erro fatal, porque se tiver certa você está escondendo uma boa teoria do grande público que pode ajudar a concretizar ela ou até mesmo lapidar ela, ou, você fez uma teoria realmente errada, com medo escondeu ela dos outros inibindo um processo de crítica coletiva e de disciplina onde o coletivo explica o porquê da teoria estar errada e como prosseguir, se um sujeito ainda tem essa limitação é porque não se conhece muito bem, e cada pessoa que ainda tem essa limitação não está apta a ser um criticista radical ou se organizar como um.

Um criticista radical não é um anarquista ou um comunista no sentido marxista da palavra, ele tem a revolução como um fim, mas um fim de um processo para o outro, a crítica radical sempre vai existir e assim os criticistas radicais também vão, pensar em uma organização criticista radical é pensar em algo em constante movimento, ela se molda conforme a necessidade da crítica, essa é a base fundamental da organização. Extender a organização para além de um conjunto de regras e tipificidades que segue um padrão institucionalista como a forma partido proposta por Lenin, a organização deve ser a sintese do conhecimento critico radical de cada sujeito revolucionário, sintese feita pela sociabilidade contra hegemônica.

A organização criticista radical tem a revolução como um fim, mas ela também é o começo e o meio, a revolução é o movimento de transformação feito por uma critica radical. Um sujeito revolucionário não é aquele que atingiu a consiência de classe, mas sim o que tem consciência critica bem consolidada, tratar de consciência de classe é o primeiro passo, mas continuar assim sem prosseguir em rumo a criticidade de pensamento é o mesmo que retroceder para uma alienação classista.

A organização na prática é formada através de grupos de estudos online e presenciais e com uma sociabilidade crítica, como por exemplo a aliança de grupos autônomos ao redor do mundo para uma unificação no combate, permitindo uma pluralidade na luta contra as relações de opressão.

O conservadorismo de Anselm Jappe 

Recentemente foi publicado na revista exit um texto da Roswitha Scholz criticando o Jappe pela sua tentativa desesperada de menosprezar a teoria do valor cisão dentro da crítica do valor. Scholz aponta essa tentativa de Jappe como um conservadorismo acritico, mas está muito além disso, fazendo uma análise mais aprofundada nas obras de Marx, postone, e alguns outros percebemos que a teoria do valor cisão sempre esteve presente de maneira indireta, Scholz só fez uma teoria do valor cisão de forma direta complementando as teorias da crítica do valor. A obra de Jappe "as aventuras da mercadoria" é uma forma de negacionismo histórico da crítica e principalmente para impor uma visão patriarcal nos textos de Kurz e de debord(uma das referências de Jappe, na qual é completamente deturpado por esse).

Uma coisa que fica evidente no texto de Jappe é uma imposição de uma espécie de antropologia positivista do valor nas teses da critica do valor, ignorando completamente as inspirações antropologicas na obra de Kurz que eram partes indispensaveis de uma antropologia critica ao positivismo antropologico fundamentado por Jappe. Em um certo momento Jappe menciona que o colapso da modernização ainda não ocorreu, mas essa noção vai completamente em desencontro com a tese do colapso proposta por Kurz, Jappe transforma o senso comum de colapso como destruição imediata e completa como parte da teoria do colapso, quando isso se trata de uma mentira sem tamanho. Segundo kurz o colapso é o esgotamento das crises ciclicas do capitalismo, a destruição do mesmo não é algo imediato, quando o capitalismo perde a capacidade de se reformar positivamente (na perspectiva da propria reprodução de mercadorias), ele entra em colapso, porque não se trata de uma crise ciclica, mas uma definitiva. Jappe fala que o colapso não aconteceu até hoje porque ele tem uma noção que o colapso significaria a ruina imediata do capitalismo.

A concentração de Jappe em explicar a crítica do valor esvaziando o caráter de opressão de gênero é uma forma de impor a wertkritik a uma espécie de conservadorismo de esquerda, na qual Kurz vai contra. A tese de que a teoria do valor-cisão é um erro como apresenta Jappe vai de contramão a uma crítica ao iluminismo feito por Kurz no seu livro "a razão sangrenta". A tese de Kurz que a crítica do valor se deve também como crítica ao iluminismo é fundamental para entender como já nessa obra sem tratar sobre a questão do gênero, Robert Kurz vai de encontro com as teorias de sua esposa,  Jappe se volta contra todos aqueles que ele diz ser influenciado, promovendo uma stalinização na crítica do valor, o texto da Roswitha combatendo essa visão de Jappe é fundamental para compreendermos como a crítica do valor cisão é uma teoria super relevante e que não pode ser acusada por um raso senso comum de Jappe.

Um encontro que infelizmente não ocorreu, Monique Wittig e Roswitha Scholz


Um encontro improvável para alguns, certamente é algo que deveria ser feito a décadas atrás, a relação teórica entre Monique Wittig e Roswitha Scholz é essencial para compreender os limites teórico-praticos do patriarcado e das relações de gênero.

Roswitha Scholz sustenta com a teoria do valor cisão que a antiga crítica do valor encontra-se em um limite que não pode ser superado sem uma dura crítica da postura sexualmente neutra feita por ela, Scholz entra em um combate com os teóricos da krisis formulando um salto teórico na crítica do valor (a crítica do valor cisão), onde ela desvela a relação entre a produção de mercadorias e o patriarcado, mostrando que a sociedade produtora de mercadorias é um patriarcado produtor de mercadorias. Indo contra os discursos feministas (incluso e principalmente o marxista) da época que buscavam uma positivação e ontologização do trabalho doméstico (o trabalho que não produz valor).

Por outro lado Monique Wittig foi uma importante ensaísta que rompe com o movimento feminista e começa a sustentar o que ela chama de pensamento lésbico,  onde ela marca uma dezena de teóricas falando que lésbicas não são mulheres. A categoria mulher por tanto é um aspecto comum em Roswitha e Monique, podendo servir de base para o pensamento crítico do sistema sexo/gênero. Para Monique a relação de opressão de gênero não é uma categoria intrínseca a um gênero em específico, mas a própria divisão da sociedade em gêneros, a mulher é vista na teoria de Wittig como um ser que está intrinsecamente ligado como uma parte desvalorizada da produção de mercadorias. Ela argumenta que em sociedades primitivas onde a misandria supostamente governava, na realidade o papel fundamental do poder foi estabelecido pelos homens desde o começo. Na sua obra mais completa "O Pensamento Hetero e outros Ensaios" Monique Wittig diz:

"A ideologia da diferença sexual funciona como censura em nossa cultura ao mascarar, em nome da natureza, a oposição social entre homens e mulheres. Masculino/feminino, macho/fêmea são as categorias que servem para esconder o fato de que as diferenças sociais sempre pertencem a uma ordem econômica, política e ideológica. Todo sistema de dominação estabelece divisões em nível material e econômico. Ademais, as divisões são abstraídas e transformadas em conceitos pelos senhores e, mais tarde, pelos escravos quando se rebelam e começam a lutar. Os senhores explicam e justificam as divisões estabelecidas como resultado de diferenças naturais. Os escravos, quando se rebelam e começam a lutar, enxergam as oposições sociais nas chamadas diferenças naturais.
Pois não existe sexo. Existe apenas sexo que é oprimido e sexo que oprime. É a opressão que cria o sexo, e não o contrário. O contrário seria dizer que o sexo cria a opressão, ou dizer que se pode encontrar a causa (origem) da opressão no sexo em si, em uma divisão natural dos sexos preexistente à (ou fora da) sociedade."

A fala de Monique Wittig é muito importante para entender que a noção de separação biológica do ser humano em "sexos" é feita por conta de uma separação social imposta por meio da lógica de reprodução do capital, a comparação aos escravos é muito interessante porque existia uma naturalização do ser escravo na época da escravidão colonial, assim como as "mulheres" são vistas como naturalmente oprimidas, donas de casa e as reprodutoras da improdutividade (trabalho improdutivo ou doméstico), porque a opressão que cria os sexos acaba introduzindo no imaginário popular que o sexo veio primeiro e ele criou a opressão, mas isso é logicamente uma mentira, a opressão existe na sociedade muito antes do termo sexo existir e, ele só passa a existir para a naturalização da opressão, o que significa que o sexo existe por conta da opressão e não o contrário. 

O pensamento de Monique Wittig também vai além questionando a heterosexualidade como um sistema de dominação (e por isso sempre compulsória):

"A categoria sexo é o produto de uma sociedade heterossexual que transforma metade da população em seres sexuais, pois sexo é uma categoria fora da qual as mulheres não podem estar."

O sexo como um produto da sociedade heterossexual e ao mesmo tempo fruto da opressão entre as pessoas (movidas por uma divisão de classes já existentes), indica que ambos são uma só coisa, a heterosexualidade é um sistema opressor que causou o sexo, transformando principalmente as mulheres em seres sexuais, porque o sexo é uma forma de opressão que as mulheres não podem escapar. Os homens tomam o trabalho (de qualquer tipo) das mulheres como se fosse mérito deles e, não importa o que ela faça, a mulher sempre deve buscar prover o homem (sexualmente), fugir desse padrão é diferente de "ser mulher revolucionária", mas sim de negar o sexo que imporam a nós.

Monique também faz uma excelente análise a despeito do capítulo "não se nasce mulher" da obra "O segundo sexo" de Simone de Beauvoir, ela diz:

"(...)Assim, uma lésbica tem de ser outra coisa, uma não mulher, uma não homem, um produto da sociedade, não um produto da natureza, pois não há natureza na sociedade."

Ser lésbica aqui é ir contra o sistema de opressão heterossexual, ou seja é uma forma de resistência a uma das milhares de formas que o capital tem de oprimir alguém. Wittig argumenta que realmente ninguém nasce mulher e também concorda que a gente se torna mulher, mas para ela isso não é uma escolha nossa, isso é uma imposição, nos tornamos mulheres a força, essa é a tese de Wittig nesse capítulo e a conclusão óbvia retirada de todo o pensamento dela até aqui é a lésbica como uma não mulher e uma não homem, que escapa das suas estruturas do sistema sexo/gênero. Ela argumenta também que sociedades matriarcais não se diferem em nada de sociedades patriarcais, só muda o sexo do opressor, as duas sociedades são heterossexuais. Ela continua:

"Não há luta possível para pessoas destituídas de identidade e sem motivação interna para lutar, pois, ainda que só seja possível lutar com outras pessoas, primeiramente eu luto por mim mesma."

Essa frase é muito importante porque entra em combate com o marxismo, a luta individual é de vital importância para a revolução, a criação de um sujeito revolucionário é algo buscado pelo criticismo radical e repudiado pelo marxismo que ao negar a subjetividade humana acaba por negar também as suas identidades. Mas a autora vai além, colocando a dissidência do sistema sexo/gênero como ponto de luta, afinal a heterosexualidade se demonstra no livro como um sistema de dominação que atua para além do campo cultural ou pessoal, mas em vários outros inclusive o econômico (homens sempre vão receber melhor que a mulher, mesmo ocupando o mesmo cargo).


A noção que o matriarcado é um patriarcado com o sexo opressor invertido, ou seja, ambos são partes do sistema heterossexual, a noção de valor-cisão de Scholz fica mais elaborada, a partir do momento que não é só uma crise do patriarcado produtor de mercadorias, mas o colapso total da heterossexualidade compulsória produtora de mercadorias, essa é a análise mais aprofundada que podemos chegar a partir do encontro dessas duas teóricas do gênero incrível. Mas isso é a conclusão feita analisando a obra dessas duas autoras incríveis, no decorrer do artigo perceberemos que a sociedade é na sua realidade uma sociedade capacitista, racista heterossexual produtora de mercadorias.

O mito da saúde mental e a relação com o racismo, para a reprodução da forma valor

O título pode parecer estranho, mas historicamente o termo "saúde mental" serviu como uma forma de naturalizar a opressão, o "anormal" é visto como doente e é tratado para ser "normal", em prática essa ação de reabilitação da mercadoria trabalho feita pelo(a) psicólogo(a) é um passo fundamental para o colapso da modernização e o racismo sempre esteve em contato com a tipificação de "saúde mental", um exemplo disso é o genocídio negro em minas gerais dentro de um manicômio, essa história ajuda a entender como a saúde mental e o racismo se constituem como partes intrínsecas da reprodução social de valor.

O hospital colônia de barbacena foi um manicômio da primeira era da democracia no Brasil e ali a gente percebe como a categoria de "saúde mental" é elitista, principalmente quando o "doente mental" é enquadrado como loucos, a loucura foi o principal aparelho de dominação linguística na sociedade, e em barbacena isso mostra a relação entre a repressão capacitista e o racismo, normalmente quem era paciente desse hospital psiquiátrico era somente negros, alguns relatos contam que a maioria dos pacientes estavam completamente bens psicologicamente, indicando que teve uma razão por trás desse aprisionamento e esse é o racismo o que foi confirmado quando 60 mil pacientes morreram em um genocídio terrível, o que foi base para toda luta antimanicomial no Brasil.

A psiquiatria surge no Brasil para impedir os escravos libertos pela lei áurea de viverem em sociedade criando uma categoria única aos brancos a "saúde mental", a psiquiatria é fruto do racismo moderno que desenvolve o racismo contemporâneo (ou estrutural). A mesma origem pode ser vista na origem da psicologia no Brasil na ditadura militar sendo utilizada para tortura psicológica de presos políticos, a maioria desses presos eram mulheres ou pessoas negras. Mas no caso da psicologia ela não tem uma origem eugenista diferente da psiquiatria, o movimento eugenista foi imposto a psicologia na sua chegada ao Brasil.

Criminologia crítica radical 

A última parte do criticismo radical (a parte 15) foi sem sombras de dúvidas o pior texto no qual eu já escrevi, mas agora pretendo elaborar mais a tese de uma criminologia crítica radical. O crime é o principal objeto de estudos da criminologia (a sua natureza, sua conceituação, etc.), mas quando pensamos no crime como um desvio das padronizações socio-culturais de uma sociedade, por exemplo o crime de aborto, que desde o Estado novo é considerado crime e continuou assim sendo permitido somente em casos especificos. O aborto é um crime basilar para entender a natureza do crime, ele em si não existe, "crime" é uma categoria que é dada para a proteção de uma sociedade, no caso o capitalismo, mas no caso da sociedade reprodutora de mercadorias, essa categoria serve para assegurar a reprodução de capital, o borto é crime não por solidariedade a vida, porque se fosse esse o caso a vida da mãe seria prioridade já que caso ela morresse no parto a criança acabaria por ir para um orfanato no melhor dos casos onde a vida é precaria, então seria mais logico o aborto para assegurar a vida da mãe e permitir a reprodução futura da vida, mas o aborto cumpre o objetivo de ser um crime contra o mercado, todos dentro do capitalismo é considerado mercadoria, e é a mercadoria mais importante para o capital, porque é essa mercadoria que reproduz capital de diversas formas através do trabalho, abortar seria para o capital o equivalente a destruir uma futura mercadoria de alto valor, mas ele justifica isso com o mito da valorização da vida.

Claro existem crimes que podem ser considerados nocivos para a humanidade como os crimes ambientais ou o homicidio, mas esses crimes são nocivos porque desvia o olhar da destruição ambiental feita pelo capital e culpabiliza um unico individuo e no caso do homicidio é um crime que desvia o olhar do genocidio feito pelo capital todos os anos como parte da sua reprodução. O crime é em essência uma categoria para assegurar a reprodução capitalista e nada mais. Outra função do crime é a de demonstrar o poder estatal perante ameaças contra hegêmonicas, tanto que existem crimes de golpe de Estado, mas o poder é manifestado quando o Estado mesmo cometendo supostamente os crimes como homicidio, furto, desastres ambientais, ele não é responsabilizado, provando que o crime é seletivo depende de quem fez aquilo que na lei é considerado crime.

Um outro aspecto do estudo da criminologia é da onde surge o crime, por exemplo na teoria das janelas quebradas o crime surge em locais onde não existe uma ordem social, para o criticismo radical (até o momento) o crime não pode ser observado como uma dissociação do sistema capitalista, mas muito pelo contrario o crime é necessario para a reprodução capitalista, principalmente na era da crise terminal do capitalismo. Entender o estudo do crime como o estudo de uma caracteristica especifica do capitalismo é de suma importância para a compreensão do movimento do capital.


Conclusão

O criticismo radical é sem sombra de duvidas a teoria com a maior capacidade de evolução, vimos ao decorrer dessa parte como o criticismo radical ao se deparrar com uma falha nele ou uma falta de informação ele parte para a critica de si, as atualizações do criticismo radical irão acontecer mais vezes de 16 em 16 partes, eu como criadora dessa teoria posso dizer com tranquilidade que o criticismo radical não está nem perto de seu apice, porque essa teoria não tem limites em si, o ritmo da publicação de artigos do criticismo radical vai diminuir comparado com o ritmo anterior, mas a qualidade dos artigos vai aumentar, eu vou deixar de escrever no blog por enquanto para escrever as partes ineditas do volume 2 do livro, espero que tenham gostado e percebam que agora muita coisa do criticismo radical mudou e na minha sincera opnião ficou melhor do que estava antes.

algumas coisas que eu comentei aqui vão ser comentadas no futuro em outras partes de maneira mais elaborada, a parte 16 serviu como uma maneira de complementar informações já dadas ou de criticar essas informações.

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