criticismo radical parte 8: avançando para além do século XIX

  Os comunistas de nosso tempo sofrem com uma deficiência teórica temporal, e, isso não é só os comunistas, são todos os sujeitos que seguem uma linha teórica feita pensando na realidade do século passado ou no século XIX. Não tem um problema em si no estudo e na instrumentalização da teoria de Marx, o problema está em não ir além de Marx, isso implica fazer teoria, construir o debate teórico do nosso tempo, uma revolução só pode ser concretizada se a teoria estiver bem (ao longo do artigo vamos perceber que a teoria está tudo menos bem), e, ir além de Marx não significa usar Hegel, muito pelo contrário, o nosso propósito não é ir atrás de Marx, mas ir além, mas não ir além só de Marx, ir além do século XIX e para isso precisamos criticar os autores desse século no nosso, uma critica anacrônica se partir da visão de ela estar direcionada ao teórico em questão, essa critica é direcionada as ideias vivas de teóricos que não tem sentido de estarem vivas ou de estarem 100% vivas. Criticar os teóricos do século XIX requer que vamos para um passado mais distante os teóricos iluministas que existiram do século XVII ao XVIII, como iremos ver esses teóricos carregam uma grande importância, mas ela já foi sugada ao máximo; também é importante ressaltar que esse presente artigo não tem o objetivo de fazer o que Kurz faz no razão sangrenta, aqui eu irei além de uma simples critica ao iluminismo.


Bacon, descartes, Spinoza, Locke e Hume

  Esse tempo foi marcado por uma centena de filósofos entre eles Francis bacon, um filosofo do século anterior que contribuiu muito para a filosofia deste século, para começar a critica a teoria deste filosofo a melhor escolha é a analise de sua obra "o progresso do conhecimento", a obra consiste em uma crítica da filosofia escolástica e uma tentativa de fazer uma filosofia do conhecimento cientifico, pode-se dizer que Bacon é um filosofo que flerta com o empirismo, não é empirista pois sua filosofia permite explorar relação além da experiência (e aqui não está sendo dito as relações de conhecimento a priori, Bacon acaba indo além desse esquema de a priori e a posteriori), para começar a analise desse livro vamos pegar uma citação dele:

" Entretanto, o domínio que outorga o conhecimento é ainda mais alto que o domínio sobre a vontade: porque é um domínio sobre a razão, a fé e o entendimento do homem, que são a parte mais elevada do espírito, e que à própria vontade dão lei."

   A questão do domínio onde habita o conhecimento se mostra inútil para a compreensão desse trecho, sim inútil porque para o Bacon o que importa aqui é a elevação do conhecimento em relação a vontade, onde a vontade não pode se sobrepor ao conhecimento pois ela faz parte do domínio do conhecimento, essa tese é muito interessante, principalmente sobre a tese de que conhecimento é a relação do ser com o interno e externo, mas isso é falso, o conhecimento não se trata de uma simples relação do ser, o conhecimento é a formação critica do saber das categorias, uma relação do ser com uma barata não permite o ser ter conhecimento sobre o que é uma barata, o que a barata tem de importante, as funções de uma barata, etc. no máximo  a relação do ser com a barata fará ele compreender isso a "relação' entre ele e a barata. O que está querendo ser dito por aqui é que a vontade como é conhecida não pode ser domínio do conhecimento, pois a vontade é um movimento intrínseco da natureza humana que se torna um dos pilares para a obtenção de conhecimento.

Indo mais adiante com Bacon temos o seu texto mais famoso o "Novum Organum" onde ele estabelece uma filosofia da ciência creditada até os dias de hoje no senso comum, é nesse livro que aparece o famoso método cientifico  da hipótese, experiencia, teoria, experiencia, evidencia e fato, mas aqui não trataremos de criticar essa formula ainda, vamos pegar alguns trechos do livro 1 aforismos:

"No trabalho da natureza o homem não pode mais que unir e apartar os corpos. O restante realiza-o a própria natureza, em si mesma."

A fala é muito interessante, mas carrega um erro tremendo se for levada a serio no nosso tempo com o conhecimento que temos sobre a relação do ser humano com a natureza, o ser humano não tem uma única função no  trabalho da natureza como se ele existisse para além dela, o humano e a natureza não estão ligados em uma ligação externa, mas sim em uma relação interna, o ser humano faz parte da natureza eles são um só, e, é a partir  dessa relação que conseguimos compreender como o nosso contato com a natureza deve seguir. vamos passar mais adiante na investigação:

"As criações da mente e das mão parecem sobremodo numerosas, quando vistas nos livros e nos ofícios. Porém, toda essa variedade reside na exímia sutileza e no uso de um pequeno número de fatos já conhecidos e não no número dos axiomas"


Aqui está expresso tantas coisas que precisaram ser analisadas com calma, a primeira coisa a ser vista é que livros e ofícios são colocados aqui para algo além do véu terminologicico do que significa esses termos, aqui podemos entender livros e ofícios como uma relação complexa da sociedade com a natureza, toda criação deriva de uma relação entre sujeito e natureza, sendo da mente, da mão ou de qualquer ferramenta; a segunda coisa a ser analisada é a distinção feita por bacon de fatos e axiomas, podemos definir aqui que axioma para ele é a criação de fatos enquanto os fatos para ele são os já presentes na natureza, o erro está justamente nisso, axioma é um fato, os novos fatos são novos axiomas, tratar bacon como atual nesse sentido é anacrônico.

O livro aqui citado também trás uma teoria conhecida para os novatos da filosofia (os que estudam a filosofia vestibulanda), a conhecida teoria dos ídolos, e, aqui eu não pretendo ir contra essa teoria, muito pelo contrário, só irei demonstrar que essa teoria é uma teoria incompleta, para bacon existe certas movimentações que ele chama de ídolos que impede o ser de alcançar o conhecimento, aqui eu não irei me alongar muito na questão de todos os tipos de ídolos, falarei aqui só os que eu vejo que o nosso tempo conseguiu evoluir, o primeiro é claro o ídolo da caverna inspirado no mito da caverna de Platão, uma teórica escreveu um artigo falando sobre a teoria dos ídolos de bacon:

"Idola Specus (ídolos da caverna). Os ídolos da caverna são os erros provenientes da conformação de cada indivíduo, resultado da própria educação e da pressão dos costumes, são os erros advindos de nossa leitura e interpretação dos dados da realidade, seja devido à natureza própria e singular de cada um; seja devido à educação, cada pessoa possui sua própria caverna particular, que interpreta e distorce a luz da natureza, à qual estão acostumados, e é essa diversidade das falsas verdades que vão ocupando o intelecto humano.Como dizia Heráclito, citado por Bacon, “que os homens buscam em seus pequenos mundos e não no grande ou universal” (AF. XLII), ou seja, buscam os conhecimentos em seus minúsculos mundos particulares e não no universal, quer dizer, no comum de todos."

Bacon procura usar aqui de uma interpretação bastante peculiar do mito da caverna de Platão na qual o faz também cair nessa caverna platônica ao afirmar que os sujeitos da caverna só estão na caverna por conta de erros individuais, o sujeito da caverna está presente nela por conta de algo bem maior que a sua formação educacional ou a pressão social inserida nele, hoje a caverna se tornou um símbolo de alienação comandada pelo capital.

Saindo de bacon temos René descartes um filósofo conhecido pelo racionalismo, sua tese diz que o conhecimento só pode ser conhecido pela razão, a experiência, o objeto externo do sujeito (o mundo) visto a partir dos sentidos não pode ser conhecido a partir dos sentidos, pois os sentidos enganam, temos a consideração última de descartes "cogito ergo sim" {penso logo existo}, articular o fato básico do existir no ato do pensar descarta completamente todas as fundamentações estruturantes do sujeito, como o fator biológico por exemplo, podemos dizer que existimos porque pensamos, mas uma pedra existe e não pensa, como resolver esse conflito cartesiano? Não existe essa possibilidade, pois esse conflito existe por conta do núcleo da sua teoria, o conhecimento só pode ser articulado, conhecido pela razão, mas como podemos ver na obra desse filósofo não é dito o que é razão, ele só articula seu pensamento por um conceito vazio de sentido.

A nossa investigação começa no paixões da alma, onde descartes assume uma posição estranha, visto que ele coloca os pensamentos como partes da alma:

"Assim, como não concebemos que o corpo pense de nenhuma maneira, temos razão em acreditar que todas as espécies de pensamentos que em nós existem pertencem à alma. E, porque não duvidamos de que haja corpos inanimados que se podem mover de tantas ou mais diversas maneiras do que nós, e que têm tanto ou mais calor (o que a experiência mostra na chama, que só por si tem muito mais calor e movimento que qualquer dos nossos membros), devemos acreditar que todo o calor e todos os movimentos que existem em nós, na medida em que não dependem do pensamento, pertencem exclusivamente ao corpo.
(...)
Dessa maneira evitaremos cair num grande erro em que muitos caíram, tão grande que o considero como a principal razão que obstou a que, até hoje, se tenha podido explicar bem as paixões e tudo o que pertence à alma. Consiste esse erro em se ter imaginado, ao ver todos os corpos mortos privados de calor e em seguida de movimentos, que era a ausência da alma que fazia cessar esses movimentos e esse calor. E julgou-se por isso, erradamente, que o nosso calor natural e todos os movimentos dos nossos corpos dependem da alma, quando se devia pensar, ao contrário, que a alma não se ausenta, quando se morre, senão porque esse calor cessa e se corrompem os órgãos que servem para mover o corpo."


Olha que interessante descartes se torna no nosso tempo, os pensamentos só podem vir da alma e não do corpo certo? Se sim de onde vem a alma? De lugar nenhum, esse é o problema de descartes quando tenta contornar seu problema principal a falta de sentido para oq significa razão, ele a situa na alma, mas aqui está o grande perigo das definições racionalistas,  elas vem sem definir sua origem e o que ela é, a própria alma por exemplo na filosofia cartesiana tem como objetivo principal dizer onde a razão se localiza, mas é falho ao não definir onde a alma se localiza e sua função. Uma parte muito interessante desse trecho é justamente o final "E julgou-se por isso, erradamente, que o nosso calor natural e todos os movimentos dos nossos corpos dependem da alma, quando se devia pensar, ao contrário, que a alma não se ausenta, quando se morre, senão porque esse calor cessa e se corrompem os órgãos que servem para mover o corpo.", bem aqui temos uma origem da alma, a alma nasce no corpo e quando o corpo é afetado por fatores externos a alma também é afetada, as ações do corpo segundo ele não tem relação com a alma, mas ao contrário, a alma é formada pelas ações do corpo.  Aqui pode-se descobrir que a dita máxima de descartes é contraditória, pois ao afirmar "cogito ergo sum"{penso logo existo} porque a única forma de provar a nossa existência é os nossos pensamentos e as experiências enganam, o que está acontecendo aqui na verdade é dizer que o próprio pensamento engana pois ele só pode ser causado pela experiência, mais adiante no texto temos:

"Mas, para compreender mais perfeitamente todas estas coisas, é necessário saber que a alma está verdadeiramente unida a todo o corpo, e que em rigor não se pode dizer que exista numa das suas partes com exclusão das outras, pois o corpo é uno e de um certo modo indivisível, em virtude da disposição dos órgãos, de tal modo relacionados uns com os outros que basta que um falte para que todo o corpo se torne defeituoso; e porque ela tem uma natureza relacionada apenas com o conjunto dos órgãos do corpo, e não com a extensão ou com as dimensões ou com as propriedades da matéria que o forma. E isso vê-se claramente na impossibilidade de concebermos a metade ou o terço de uma alma ou a extensão que ela ocupa, e no facto de não se tornar mais pequena quando se tira qualquer parte do corpo, separando-se inteiramente dele quando se dissolve o conjunto dos seus órgãos."

A afirmação sobreposta no início do parágrafo "é necessário saber que a alma está verdadeiramente unida a todo o corpo" que afirmação positiva para a questão, mas isso deixa muitas lacunas na qual esse parágrafo só serviu para abrir elas mais ainda, o final do parágrafo "E isso vê-se claramente na impossibilidade de concebermos a metade ou o terço de uma alma ou extensão que ela ocupa, e no facto de não se tornar mais pequena quando se tira qualquer parte do corpo" bem a alma é unida ao corpo, mas descartes aqui só diz como essa união não está formada, mas ele acaba dizendo sobre aqui:

"É necessário também saber que, embora a alma esteja unida a todo o corpo, há, todavia, neste uma parte em que ela exerce em especial as suas funções; e julga-se vulgarmente que essa parte é o cérebro, ou talvez o coração: o cérebro, porque é com ele que estão relacionados os órgãos dos sentidos, e o coração, porque é nele que parece sentirem-se as paixões. Mas, examinando o assunto com cuidado, parece-me ter reconhecido com evidência que a parte do corpo onde a alma exerce imediatamente as suas funções não é de modo algum o coração; nem também o cérebro no seu conjunto, mas apenas a sua parte mais interior, que é uma certa glândula muito pequena, situada a meio da sua substância, e de tal modo suspensa por cima do canal por onde os espíritos das suas concavidades anteriores comunicam com os da posterior que os mais pequenos movimentos que nela se dão contribuem muito para modificar o curso desses espíritos; e reciprocamente as mais pequenas alterações desse curso contribuem muito para alterar os movimentos dessa glândula.
(...)
A razão que me persuade de que a alma não pode ter em todo o corpo nenhum outro centro a não ser essa glândula é que considero que todas as outras partes do nosso cérebro são duplas, como os dois olhos, as duas mãos, as duas orelhas, em suma todos os órgãos dos sentidos externos; e que, como não temos senão um único e simples pensamento de uma mesma coisa simultaneamente, é preciso necessariamente que haja qualquer sítio onde as duas imagens transmitidas pelos dois olhos, ou as duas outras impressões que vêm de um só objeto pelos duplos órgãos dos outros sentidos, se possam fundir numa só, antes que cheguem à alma, para que não lhe representem dois objetos em vez de um só.
E pode-se facilmente conceber que essas imagens ou outras impressões se reúnem nessa glândula, por intermédio dos espíritos que enchem as cavidades do cérebro; mas não há no corpo nenhum outro lugar onde se possa assim unir, senão depois de o terem sido nessa glândula."


A visão cartesiana cada vez mais perto de ser revelada,  parece então que a glândula da alma como ele define localizada no cérebro é o meio de ligação entre corpo e alma, entre alma e sentidos, mas isso só coloca a filosofia racionalista no caixão, toda essa investigação feita por ele que a preocupação com os dados da linguagem não existem para o querido descartes, a respeito da vontade ele também discute no mesmo texto aqui mencionado:

"Mas a vontade é por natureza de tal modo livre que nunca pode ser constrangida: e das duas espécies de pensamentos que distingui na alma, uns, as suas ações, isto é, as suas volições, outros, as suas paixões, tomando esta palavra na sua significação mais genérica, que compreende todas as espécies de perceções — os primeiros estão absolutamente sob o seu domínio e só indiretamente podem ser modificados pelo corpo; os outros, ao contrário, dependem absolutamente das ações que as produzem e não podem senão indiretamente ser alterados pela alma, exceto quando ela própria é a sua causa. E a ação da alma reduz-se unicamente, quando quer qualquer coisa, a mover a pequena glândula a que está intimamente unida, a fim de produzir o efeito correspondente a essa volição."


O que temos é um teórico falando sobre vontade mais usando um termo vazio de sentido, vontade e de certo modo livre por natureza e depois o coloca como sendo os dois tipos de pensamento na alma, René toma muitos discuidos desses nas suas obras, o erro dessa afirmação é justamente essa, como a vontade pode ser livre por natureza se ela é intrínseca a alma? Ela não pode, a vontade de nenhum modo é livre por natureza,  mais adiante temos:

"O remorso da consciência é uma espécie de tristeza, que pressupõe necessariamente a dúvida, pois tem como causa o duvidar-se se é boa a ação praticada ou a praticar. Porque, se estivéssemos inteiramente convencidos de que o que se fez é mau, abster-nos-íamos de o fazer, tanto mais que a vontade só incide sobre as coisas que têm qualquer aparência de verdade. E, se estivéssemos convencidos de que o que já se fez é mau, teríamos arrependimento e não apenas remorso. Ora a utilidade desta paixão consiste em fazer que se examine se a coisa sobre que se tem dúvidas é boa ou má e impedir que de novo se pratique enquanto não tivermos a certeza de que é boa. Mas, porque pressupõe o mal, o melhor seria não ter nunca motivos para a sentir; e podemo-nos precaver contra ela pelos mesmos meios que servem para nos livrarmos da irresolução."


Assim acabamos a análise do primeiro livro, percebemos assim que o dito máximo cartesiano tem uma lógica, quando descartes diz que somente a razão pode dar certeza de algo pois as experiências enganam, não diz respeito ao fato da razão prover da experiência, tudo mostrado até agora é a razão como formação empirista do ser, apesar de ser contraditório com a filosofia cartesiana pode-se encontrar encontrar uma lógica nela. Contudo não acabamos com esse livro, descartes escreveu um livro muito importante para os cartesianos que é o meditações metafísicas, no qual eu gostaria de começar a análise com esse trecho:

"Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências. Mas, parecendo-me ser muito grande essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar outra após ela, na qual eu estivesse mais apto para executá-la; o que me fez diferi-la por tão longo tempo que doravante acreditaria cometer uma falta se empregasse ainda em deliberar o tempo que me resta para agir.
(…)
Agora, pois que meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um repouso assegurado numa pacífica solidão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir-me de dar crédito às coisas que não são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que nos parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas. E, para isso, não é necessário que examine cada uma em particular, o que seria um trabalho infinito; mas, visto que a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifício, dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas.
(…)
Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez."


O primeiro problema aparece aqui na negação consecutiva dos sentidos para a obtenção da razão,  a princípio, mas existe nesse trecho uma frase muito interessante "e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez", aqui ele está falando dos sentidos provocarem um sentido ilusório do mundo que a razão se torna a única capaz de observar, mas nessa frase também carrega outro sentimento, não podemos confiar inteiramente nos sentidos, mas, podemos confiar parcialmente, tornando a teoria cartesiana com mais buracos do que tampões, mais pra frente ele diz:


"Restam-me muitas outras coisas a examinar, concernentes aos atributos de
Deus e à minha própria natureza, isto é, ao meu espírito: mas retomarei em outra
ocasião, talvez, a sua pesquisa. Agora, após haver notado o que cumpre fazer ou
evitar para chegar ao conhecimento da verdade, o que tenho principalmente a
fazer é tentar sair e desembaraçar-se de todas as dúvidas em que mergulhei
nesses dias passados e ver se não é possível conhecer nada de certo no tocante às
coisas materiais.
(...)
Mas, antes de examinar se há tais coisas que existam fora de mim, devo
considerar suas ideias na medida em que se encontram em meu pensamento e
ver quais são distintas e quais são confusas.
(...)
Em primeiro lugar, imagino distintamente esta quantidade que os filósofos
chamam vulgarmente de quantidade contínua, ou a extensão em lonjura, largura
e profundidade que há nessa quantidade ou, antes, na coisa à qual ela é atribuída.
Demais, posso enumerar nela muitas partes diversas e atribuir a cada uma dessas
partes toda sorte de grandezas, de figuras, de situações e de movimentos; e
enfim, posso consignar a cada um desses movimentos toda espécie de duração.
(...)
E não conheço estas coisas com distinção apenas quando as considero em
geral; mas, também, por pouco que eu a isso aplique minha atenção, concebo
uma infinidade de particularidades referentes aos números, às figuras, aos
movimentos e a outras coisas semelhantes, cuja verdade se revela com tanta
evidência e se acorda tão bem com minha natureza que, quando começo a
descobri-las, não parece que aprendo algo de novo, mas, antes, que me recordo
de algo que já sabia anteriormente, isto é, que percebo coisas que estavam já no
meu espírito, embora eu ainda não tivesse voltado meu pensamento para elas.
(...)
E o que, aqui, estimo mais considerável é que encontro em mim uma
infinidade de ideias de certas coisas que não podem ser consideradas um puro
nada, embora talvez elas não tenham nenhuma existência fora de meu
pensamento, e que não são fingidas por mim, conquanto esteja em minha
liberdade pensá-las ou não pensá-las; mas elas possuem suas naturezas
verdadeiras e imutáveis. Como, por exemplo, quando imagino um triângulo,
ainda que não haja talvez em nenhum lugar do mundo, fora de meu pensamento,
tal figura, e que nunca tenha havido alguma, não deixa, entretanto, de haver certa
natureza ou forma, ou essência determinada, dessa figura, a qual é imutável e
eterna, que eu não inventei absolutamente e que não depende, de maneira
alguma, de meu espírito; como parece, pelo fato de que se pode demonstrar
diversas propriedades desse triângulo, a saber, que os três ângulos são iguais a
dois retos, que o maior ângulo é oposto ao maior lado e outras semelhantes, as
quais agora, quer queira, quer não, reconheço mui claramente e mui
evidentemente estarem nele, ainda que não tenha antes pensado nisto de maneira
alguma, quando imaginei pela primeira vez um triângulo; e, portanto, não se pode
dizer que eu as tenha fingido e inventado.
(...)
E aqui só posso me objetar que talvez essa ideia de triângulo tenha vindo ao
meu espírito por intermédio de meus sentidos, porque vi algumas vezes corpos de
figura triangular; pois posso formar em meu espírito uma infinidade de outras
figuras, a cujo respeito não se pode alimentar a menor suspeita de que jamais
tenham caído sob os sentidos e não deixo, todavia, de poder demonstrar diversas
propriedades relativas à sua natureza, bem como à do triângulo: as quais devem
ser certamente todas verdadeiras, visto que as concebo claramente. E, portanto,
elas são alguma coisa e não um puro nada; pois é muito evidente que tudo o que é
verdadeiro é alguma coisa e já demonstrei amplamente acima que todas as
coisas que conheço clara e distintamente são verdadeiras. E, conquanto não o
tivesse demonstrado, todavia a natureza de meu espírito é tal que não me poderia
impedir de julgá-las verdadeiras enquanto as concebo clara e distintamente. E
me recordo de que, mesmo quando estava ainda fortemente ligado aos objetos
dos sentidos, tivera entre as mais constantes verdades aquelas que eu concebia
clara e distintamente no que diz respeito às figuras, aos números e às outras
coisas que pertencem à Aritmética e à Geometria."

Essa é a quarta meditação e se diz respeito a existência de Deus ser a prova da existência do mundo e na terceira meditação ele menciona que a existência de Deus pode ser provada pela razão, essa formação da "verdade" é um paradoxo, pois a existência de A é definida por B, mas a existência de B é definida por A, o método cartesiano se baseia muito na matemática para expor sua tese, mas  isso é assunto para outro artigo (aonde eu irei defender as filosofias que estou criticando aqui).

A dualidade cartesiana de corpo e alma já mencionada acima no artigo pode ser definida como a alma e o corpo são separados nos sentidos mas juntos nos atos de ação empírica, no entanto o mundo é observado e racionalizado (cognitivo) pela alma, onde o corpo serve somente de uma casca da alma que atua de forma dependente da alma (vale lembrar que alma aqui não está no sentido do criticismo radical).

O sucessor de René descartes, Spinoza se tornou muito famoso não por suas obras, mas por uma fala repercutida de Albert Einstein "eu acredito no deus de Spinoza", muita gente até então explicou e criticou esse deus, mas nesse artigo eu irei criticar um livro em específico dele, o "ética".

A parte principal que vamos analisar dessa obra é a filosofia da mente de Spinoza onde ele coloca a mente como indissociável de deus, mas isso vai ser o de menos, ele diz:

"Entendo por ideia um conceito da mente que a mente forma porque é uma coisa pensante.
Explicação: Digo conceito antes do que percepção porque o nome percepção parece indicar que a mente é passiva em relação ao objeto, enquanto o conceito parece exprimir a ação da mente."

Essa é a única citação que eu usarei de Spinoza para exemplificar o erro principal da sua teoria a abstração completa do conceito de mente e de ideia. A primeira coisa que precisa ser salientada é que a mente humana não é uma simples abstração como pretende colocar Spinoza no seu livro, a mente advém de um processo biológico e social complexo no qual fez o ser humano necessitar da mente como produto natural da formação de pensamento, mas pensamento não se diz respeito somente a coisa pensante, o pensamento pode ter como objeto um não objeto, ou seja para exemplificar essa questão em si vamos imaginar que o sujeito pense que a gravidade não exista, o objeto de pensamento é um não objeto, porque nega a existência de um objeto no caso do exemplo a gravidade, o pensamento aqui então se transforma em algo muito mais complexo que uma simples coisa pensante. 

A questão proposta por ele na explicação também carece de sentido, a percepção sempre vai vir antes do conceito pois como o próprio afirma a percepção indica que a mente é passiva em relação ao objeto, enquanto o conceito parece exprimir a ação da mente, a percepção se torna uma forma da mente pré relação objetificada, ela reconhece de modo pacifico todo o ambiente e o objeto, para  o conceito analisando essas relações da percepção comece a modificar ela por meio da ação e da atividade da mente.

O empirismo foi também uma grande escola de pensamento desse século, nela temos como o seu fundador o filosofo Locke no qual analisaremos a sua obra mais importante "ensaios sobre o entendimento humano" no qual o mesmo diz:

"A existência de certos princípios, quer especulativos quer práticos (pois de ambos se fala), universalmente aceites por toda a humanidade, é algo que geralmente se considera ao abrigo de contestação. Por tal motivo se conclui também que esses princípios foram por força impressos na alma dos homens no momento da sua criação, e com ela vieram ao mundo, da mesma forma que as faculdades que nela se encontram.
(...)
Este argumento, tirado do consenso universal, tem o seguinte ponto fraco: ainda que seja verdadeiro, como matéria de facto, haver certas verdades que toda a humanidade reconhece, isso não prova que elas sejam inatas, desde que seja possível, como presumo, explicar o facto por outra forma.
(..)
Mais: este argumento do consenso universal, usado como garantia da existência de princípios inatos, parece-me que prova precisamente o contrário, pois, como veremos, a humanidade não aceita universalmente nenhum principio. Comecemos pelos princípios especulativos. Tomemos  estas duas proposições que, mais do que quaisquer outras, são tidas como inatas: << o que é, é>> e << é impossível que a mesma coisa seja e não seja>>. A sua reputação de máximas universais é tal que parecerá absurdo  pôr isso em duvida. Todavia, eu tomo a liberdade de afirmar que tais proposições estão bem longe de um assentimento universal, pois são desconhecidos de grande parte da humanidade.
(...)
De facto, nem as crianças nem os idiotas têm delas o menor conhecimento. E tanto bastará para destruir o consenso universal exigido pelas verdades inatas. Efetivamente, afigura-se-me quase uma contradição dizer que há verdades impressas na alma que podem não ser conhecidas: imprimir, neste caso, se significa alguma coisa, significa precisamente tornar conhecido; pois a impressão, no espírito, de verdades que o espírito ignore, dificilmente terá algum sentido. E assim, se as crianças e os idiotas têm alma (ou espírito), com os tais princípios nela impressos terão forçosamente de se aperceber deles, e de conhecer e aceitar, necessariamente, a sua verdade. Ora, como tal não acontece, é  evidente que não existem impressões desse género. Em resumo: se não há noções naturalmente gravadas no espirito, como podem ser desconhecidas? Dizer que, ao mesmo tempo, uma noção está impressa no espírito e que este a ignora e nunca dela teve conhecimento, é o mesmo que dizer que tal impressão não é coisa nenhuma. Não pode dizer-se que esteja no espírito uma proposição que ele ainda não conheça ou de que nunca tenha tido consciência. Caso contrário, o que se diz de algumas proposições verdadeiras terá de dizer-se de todas e, então, estar impressa no espírito significará poder ser conhecida. Mais: a ser assim, teríamos de admitir como estando gravadas na alma verdades que nunca chegam a ser conhecidas, pois cada homem, por muito que viva, morrerá sempre na ignorância de conhecimento ao seu perfeito alcance. Ora, dizer que estão gravadas  na alma e são inatas todas as verdades que o homem conheça ou possa vir a conhecer é, pelo menos, falar com muito rigor; e, no fundo, embora se pretenda o contrario, é coincidir com aqueles que negam os princípios inatos. Pois, que eu saiba, nunca ninguém negou que a alma fosse capaz de conhecer varias verdades. (...)"

A formação do pensamento de Locke tem um erro estrutural na sua crítica ao sistema de pensamento cartesiano onde os conhecimentos não podem ser tidos como inatos, porque mesmo nos conhecimentos especulativos como a matemática, dependem da experiência dos estudos, essa falsa premissa é causada pela ilusão de que o conhecimento precisa ser conhecido, ou, todo conhecimento conhecido tem de ser racional. O que acontece aqui é um processo de desconhecimento em relação ao sujeito e o objeto na formação de conhecimento, o sujeito não é o fator de construção do conhecimento, ou seja, o conhecimento não depende do sujeito para existir, por exemplo no conhecimento matemático 1 + 1 = 2 é um fato popularmente conhecido que independe do sujeito ou não (e esse fato ainda depende da unidade calculada).

Nesse livro o Locke vai conceituar uma frase monumental sobre como o entendimento humano depende da experiência "o ser humano é uma tábula rasa"  carrega um erro terrível de negar todo o contexto social no qual o sujeito está inserido. O sujeito é condicionado por meio da linguagem, por exemplo uma sociedade que fala português, o sujeito está formado a partir do conhecimento histórico da língua portuguesa, o seu conhecimento se torna influência pela língua que o rege, além da língua, temos o sistema social que estamos inseridos, o conhecimento acaba sendo condicionado por vários fatores. 

Para terminar a crítica a teoria do século XVII temos uma citação do "tratado da natureza humana" de David Hume:

"Gostaria de perguntar aos filósofos que fundamentam tantos dos seus raciocínios na distinção entre substância e acidente, imaginando que temos de uma e outra ideias claras, se a ideia de substância provém das impressões de sensação ou das impressões de reflexão. Se ela nos é transmitida pelos sentidos, pergunto por qual e de que maneira. 
Se é percebida pelos olhos, deve ser uma cor; se pelos ouvidos, um som; se pelo paladar, um sabor, e assim por diante quanto aos outros sentidos. Mas creio que ninguém afirmará que a substância é uma cor, um som, ou um sabor. 
A ideia de substância deve portanto provir de uma impressão de reflexão, se ela na realidade existe. Ora as impressões de reflexão reduzem-se às nossas paixões e emoções, nenhuma das quais com certeza pode representar uma substância. Portanto não temos uma ideia de substância distinta da de urna colecção de qualidades particulares, nem queremos dizer outra coisa quando falamos ou raciocinamos sobre ela."

A substância diferente de como se diz Hume, não é uma impressão de reflexão, essa afirmação feita hoje parte de um desconhecimento sobre o significado desse conceito. A substância é parte da essência dos objetos, por exemplo, uma cadeira tem como essência a própria cadeira e a substância é o material no qual essa cadeira foi feito. Essa ilusão feita por Hume acontece por conta da  negação do autor em dizer que os sentidos são os olhos da razão, eles que fazem a razão existir, negação porque exclui a possibilidade de outros meios de se alcançar a razão e ignora todos os problemas encontrados em obter a razão pelos sentidos, para situar os leitores desse artigo vamos usar um exemplo, uma pessoa com problemas de visão que enxerga tudo com enormes borrões, essa pessoa não pode obter razão por esse sentido.

Kant e a escola kantiana

Aqui chegamos na parte principal da nossa critica, Kant e seus sucessores são hoje em dia os teóricos mais influentes hoje em dia, vamos ver o que Kant tem a dizer no livro "critica da faculdade do juízo":

"O conceito de um fim real da natureza está, portanto, inteiramente
além do campo da faculdade de julgar quando esta é tomada somente em si
mesma; e como ela, enquanto força à parte do conhecimento, só considera
duas faculdades, a imaginação e o entendimento, relacionadas em uma
representação anterior a qualquer conceito e, desse modo, percebe a
finalidade subjetiva dos objetos para as faculdades de conhecimento na
apreensão dos mesmos (através da imaginação), então, na finalidade
teleológica das coisas como fins da natureza, que só pode ser representada
por meio de conceitos, ela terá de colocar o entendimento em relação com a
razão (que não é necessária para a experiência em geral) para tornar
representáveis as coisas como fins da natureza."

A teleologia aparece na filosofia pela primeira vez como parte da transformação do homem pela natureza e vice versa. Nesse ponto não discordarei totalmente de Kant, mas mostrarei como a analise dele por ser subjetiva (idealista) impõe certos limites na analise da relação do ser humano com a natureza, o dito "fim da natureza" é colocado por Kant de forma brilhante, ele se diz respeito ao ciclo de vida natural entre a natureza e a sua transformação, mesmo não sendo o objetivo de Kant colocar esse ciclo natural na sua filosofia ele o põe de qualquer forma, o problema aqui é que ele deixa de ver as consequências objetivas da sociedade em relação a esse ciclo, quanto mais nossa sociedade tem contato com a natureza, mais ela se torna parte desse ciclo como transformador da natureza (na nossa realidade como ciclo negativo da natureza, mas com a transformação radical da sociedade para a transformação desse ciclo negativo da natureza em ciclo positivo da natureza).

Um filosofo kantiano Arthur Schopenhauer escreve em seu livro "as dores do mundo" tem algumas passagens muito problemáticas para nossa moral (passagens misóginas), mas não queremos analisar esse aspecto da sua filosofia pois ela não é muito importante atualmente, no capitulo sobre a piedade o autor menciona:


"Se considerarmos a perversidade humana e nos dermos pressa em nos indignar com ela, é preciso imediatamente lançar os olhos sobre a miséria da existência humana e, reciprocamente, se a miséria nos assusta, considerar a perversidade; achar-se-á então que se equilibram uma à outra, e reconhecer-se-á a justiça eterna; ver-se-á que o próprio mundo é o julgamento do mundo."

O autor está certo precisamos nos indignar com a miséria da existência humana, mas ele era ao afirmar a causa dessa miséria, não somos miseráveis por conta de algum ato perverso, somos assim por conta do ambiente no qual estamos inseridos, por conta da língua que falamos, os símbolos da linguagem em propagandas  ou outras formas de alienação da cultura, a perversidade humana não é um sentimento natural como pretende afirmar Schopenhauer, a perversidade vai ser construída socialmente como uma forma de manutenção do poder (não só politico, mais econômico, cultural e etc, isso ficara mais claro quando falarmos sobre Michel Foucault e a microfísica do poder).


O século XIX as filosofias de Marx e de Nietzsche 

Chegamos aqui no ponto focal da nossa critica os filósofos mais importantes do século XIX na nossa época Karl Marx e Friedrich Nietzsche, antes de falar do filosofo do niilismo, vamos entrar aqui em Marx no seu manuscrito de 1863-68:

"O capital não cria a ciência e sim a explora apropriando-se dela no processo produtivo. Com isto se produz, simultaneamente, a separação entre a ciência, enquanto ciência aplicada à produção e o trabalho direto, enquanto nas fases anteriores da produção a experiência e o intercâmbio limitado de conhecimentos estavam ligados diretamente ao próprio trabalho; não se desenvolviam tais conhecimentos como força separada e independente da produção e, portanto, não haviam chegado nunca em conjunto além dos limites da tradicional coleção de receitas que existiam desde há muito tempo e que só se desenvolviam muito lenta e gradualmente (estudo empírico de cada um dos artesanatos). O braço e a mente não estavam separados."

Nesse ponto queremos salientar que as metamorfoses exercidas pelo capital para a sua reprodução enquanto aparato dominante da sociedade em meio as suas crises cíclicas transformaram ele em algo totalmente capaz de criar ciência, a conhecida ciência do capital pode ser definida por alguns teóricos da ciência como uma ciência conservadora, certos setores da sociologia, do direito, a economia, etc. A partir do capital procuram uma forma de o manter.

No ideologia alemã Marx solta um trecho muito importante para se salientar:

"A produção de ideias, de representações, da consciência, está, em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. O representar,
o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens ainda aparecem, aqui, como
emanação direta de seu comportamento material. O mesmo vale para a produção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem da política, das
leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo. Os homens são os
produtores de suas representações, de suas ideias e assim por diante a, mas
os homens reais, ativos, tal como são condicionados por um determinado
desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele
corresponde, até chegar às suas formações mais desenvolvidas. A consciência [Bewusstsein] não pode jamais ser outra coisa do que o ser consciente
[bewusste Sein], e o ser dos homens é o seu processo de vida real. Se, em toda
ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo como
numa câmara escura, este fenômeno resulta do seu processo histórico de
vida, da mesma forma como a inversão dos objetos na retina resulta de seu
processo de vida imediatamente físico."

Aqui Marx se torna brilhante no seu tempo por propor que as atividades subjetivas da linguagem estão entrelaçadas com o material, isso concorda com a frase dita por ele que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, contudo como eu falei essa fala é brilhante no século XIX, estamos a duzentos anos de diferença de Marx onde muita coisa mudou, uma das coisas que pode se considerar mudada é que a própria subjetividade da linguagem não aparece com um simples atralaçamento da ação material, mas se forma simbólica complexa (como veremos na análise crítica de Jung), mas se forma muito acertada é sua frase no final a ideologia criou a possibilidade de se guiar de inúmeras formas que não condizem ao aspecto real mas o seu completo oposto, pois o seu objeto de análise é uma subversão da realidade.

Nietzsche é um filósofo potencialmente revolucionário, isso talvez incomode alguns leitores de Nietzsche, mas Nietzsche demonstra uma teoria muito revolucionária ao dizer no seu livro "vontade de poder" que não adianta haver uma revolução e uma mudança na estrutura do poder se o poder não é feito pela sua estrutura, mas pela sua microestrutura, uma formação teórica muito parecida com a pós moderna onde inclusive discutiremos um pouco agora e veremos como Nietzsche já foi sugado a sua máxima potência por Foucault.

A filosofia de Michel Foucault 

Foucault foi um importante filósofo do século XX que debateu muitas questões pertinentes nos dias de hoje como sexualidade, sociedade, criminologia, história, etc. O filósofo se inspirou muito em Marx e Nietzsche para desenvolver uma teoria social pós moderna, no "vigiar e punir" ele diz:

"Dessa “arte de talhar pedras” haveria uma longa história a ser escrita —
história da racionalização utilitária do detalhe na contabilidade moral e no controle
político. A era clássica não a inaugurou; ela a acelerou, mudou sua escala, deu-lhe
instrumentos precisos, e talvez tenha encontrado alguns ecos para ela no cálculo do
infinitamente pequeno ou na descrição das características mais tênues dos seres
naturais. Em todo caso, o “detalhe” era já há muito tempo uma categoria da teologia
e do ascetismo: todo detalhe é importante, pois aos olhos de Deus nenhuma
imensidão é maior que um detalhe, e nada há tão pequeno que não seja querido por
uma dessas vontades singulares. Nessa grande tradição da eminência do detalhe
viriam se localizar, sem dificuldade, todas as meticulosidades da educação cristã, da
pedagogia escolar ou militar, de todas as formas, finalmente, de treinamento. Para o
homem disciplinado, como para o verdadeiro crente, nenhum detalhe é indiferente,
mas menos pelo sentido que nele se esconde que pela entrada que aí encontra o
poder que quer apanhá-lo. Característico, esse hino às “pequenas coisas” e à sua
eterna importância, cantado por Jean-Baptiste de La Salle, em seu Tratado sobre as
Obrigações dos Irmãos das Escolas Cristãs. A mística do cotidiano aí se associa à
disciplina do minúsculo."

Os corpos dóceis são um conceito muito importante para a transformação social do controle,  nesse ponto vemos como o poder alienante surge como dois eixos institucionais,  a educação e a igreja, dentro do contexto a educação serviu para por a sociedade no controle como parte do inconsciente do ser humano com uma falsa sensação de consciência crítica e um ideal de salvação, uma prova empírica de como os corpos dóceis vão atuar no sentido da falsa consciência crítica é o ex candidato a prefeito de são Paulo Pablo Marçal que começa a utilizar de um discurso anti "sistema" mesmo tendo crescido e se sustentado por conta do sistema, e, a quantidade de gente que acredita nesse discurso anti "sistema" não é algo surpreendente, é planejado, tudo começa por meio da educação desvirtuar o que é o sistema, fazendo o sistema vigente do poder ser de forma hermenêutica inverso do material pois esvai toda a materialidade construtiva do sistema.

A outra forma como os corpos dóceis vão atuar é por meio da disciplina militar, os castigos físicos dados as crianças por reproduzirem atos socialmente ruins na ótica da sociedade do controle, essa disciplina não acontece só na infância e adolescência por meio do castigo feito dos pais para os filhos, na vida adulta certas instituições são usadas como forma de disciplinar a população, como a polícia por exemplo que reprime qualquer cidadão que não segue a norma feita pela sociedade, essa forma de reprodução dos corpos dóceis junto com a forma do poder alienante produz aqui uma forma de ato inconsciente normativo, o sujeito passa de forma involuntária e voluntária a agir como a sociedade quer que agirmos.

Mais adiante ele diz:

"o controle disciplinar não
consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos definidos; impõe a
melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, que é sua condição de
eficácia e de rapidez. No bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do
tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte
do ato requerido. Um corpo bem disciplinado forma o contexto de realização do
mínimo gesto. Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe uma ginástica — uma rotina
cujo rigoroso código abrange o corpo por inteiro, da ponta do pé à extremidade do
indicador. Deve-se
manter o corpo direito, um pouco voltado e solto do lado esquerdo, e algo inclinado para a
frente, de maneira que, estando o cotovelo pousado na mesa, o queixo possa ser apoiado
na mão, a menos que o alcance da vista não o permita; a perna esquerda deve ficar um
pouco mais avançada que a direita, sob a mesa. Deve-se deixar uma distância de dois
dedos entre o corpo e a mesa; pois não só se escreve com mais rapidez, mas nada é mais
nocivo à saúde que contrair o hábito de apoiar o estômago contra a mesa; a parte do
braço esquerdo, do cotovelo até à mão, deve ser colocada sobre a mesa. O braço direito
deve estar afastado do corpo cerca de três dedos, e sair aproximadamente cinco dedos da
mesa, sobre a qual deve apoiar ligeiramente. O mestre ensinará aos escolares a postura
que estes devem manter ao escrever, e a corrigirá seja por sinal seja de outra maneira,
quando dela se afastarem."

Os corpos dóceis aparece aqui como um processo de ação fisiológica do corpo, os padrões de etiqueta colocou em pratica o que marx disse no ideologia alemã que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, no caso dos corpos dóceis os traços de etiqueta aparecem como símbolos ideológicos da classe dominante, colocando a sociedade em uma disciplina de ação normativa do capital. O sexo biológico e o gênero aparecem como forma de domesticação do sujeito, o poder aparece enquanto relativo ao corpo, os homens existem na sociedade capitalista para serem os dominantes sociais, as mulheres existem no capitalismo como as que se submetem perante o poder dominante dos homens, os relacionamentos héteros cis  normativos servem para a reprodução desse poder, todas as outras formas de gênero e de sexualidade são contra a norma padrão do poder, contra as estruturas feitas pelos corpos dóceis e aqui reside um grande erro de Foucault, ao considerar que o escopo fora da hétero cis normatividade  é uma tentativa de escapar da sociedade da disciplina, Foucault começa a assumir que a negação do padrão binário de gênero se torna uma atitude revolucionária, e, esse foi o seu erro, a negação da binariedade de gênero começa a aparecer na nossa sociedade, mas não reproduz nenhum escopo revolucionário na sua existência.

Os corpos dóceis são uma parte muito importante do que Foucault considerou como microfísica do poder, mas ela não se resume a isso, como dito anteriormente quando falamos de Arthur Schopenhauer a microfísica do poder é essencial para compreender como a sociedade humana utiliza da perversidade para a manutenção e reprodução do poder dominante.

Jung e seus símbolos 

Não colocarei aqui o trabalho de criticar Freud pois isso já foi feito nas minhas três obras de psicologia classista, mas temos a necessidade de comentar e criticar o teórico da psicologia analítica Carl Jung, usaremos como referência o livro "a vida simbólica", no qual diz:


"Por meio da linguagem a pessoa procura denominar as coisas de tal
forma que suas palavras expressem aquilo que deseja comunicar. Mas às
vezes emprega conceitos ou signos que não são descritíveis em sentido estrito
e que só podem ser entendidos mediante pressuposições: basta lembrar as
tantas siglas como ONU, Otan, Ocee que inundam nossos jornais, ou as
logomarcas e os nomes de remédios. Ainda que deflua deles o que
significam, eles só têm sentido preciso para quem os conhece. Essas
denominações não são símbolos, são mais precisamente signos. Chamamos
de símbolo um conceito, uma figura ou um nome que nos podem ser
conhecidos em si, mas cujo conteúdo, emprego ou serventia são específicos
ou estranhos, indicando um sentido oculto, obscuro e desconhecido.
Tomemos, por exemplo, a figura da acha dupla que aparece muitas vezes nos
monumentos cretenses. Conhecemos o objeto mas desconhecemos seu
sentido específico. Um hindu, ao voltar de uma visita à Inglaterra, contou a
seus amigos que os ingleses adoravam animais. Ele realmente havia
encontrado figuras de águias, leões e bois em suas igrejas, mas não sabia que
estes animais eram símbolos dos evangelistas. Há muitos cristãos que não
sabem que estes símbolos provêm da visão de Ezequiel que, por sua vez, é
um paralelo do Horus egípcio e de seus quatro filhos. Outros exemplos são o
círculo e a cruz, objetos conhecidos por todos, mas que em certas
circunstâncias podem constituir símbolos e significar algo que dá ensejo a
especulações conflitantes."


A linguagem aparece aqui como parte fundamental de como a ideologia passa para o inconsciente na diferenciação dos signos e dos símbolos ideológicos, o problema aqui é na não transformação feita entre signos e símbolos, todo signo que passa a ser conhecido, começa a se tornar símbolo, a lingua focaliza ali portanto a forma material de transformação para tentar obter significado social e assim o consegue, tornando todo processo ideologico de consciente para inconsciente.

O rompimento das correntes 

A crítica imanente feito pelo criticismo radical nesses autores serve para mostrar uma coisa, romper com os padrões de recuperação da suas teorias não significa negalas, o que o criticismo radical faz é justamente o contrário, a crítica dos pontos incorretos do nosso tempo abre margem para muitas outras questões a serem discutidas e elaboradas, um exemplo disso é o estudo da ecologia que está se tornando cada vez mais fundamental caso queiramos trazer a luz da prática novas condições de sociedade combatendo o desastre ambiental causado pelo capital.

Partir do princípio de que a revolução deve acontecer não por causa da estrutura sócio econômica do poder, mas perante todas essas relações, como proposto pela revolução inteligente, se faz essencial para discutirmos como a tomada de consciência crítica e de ação social é muito importante para a formação do movimento criticista radical no Brasil e futuramente de maneira internacional, Marx, Engels e os marxistas criaram sua pegada na história e é dever de todo criticismo radical estudar e suprassumir essa pegada extraindo a melhor coisa dentro dela.


Ainda falta falar de muita gente e de contribuír com a crítica de alguns teóricos lá mencionados, mas isso é assunto para outro artigo, nesse o propósito é instigar uma teoria de nosso tempo, e, se alguém lhe perguntar, como produzir uma teoria de nosso tempo? As revistas acadêmicas em diversos setores, os jornais, servem como um excelente material de estudo e crítica da atualidade que proporcionará uma teoria do nosso tempo muito mais consciente de si, onde obviamente as teorias do passado se refletem, mas agora aparecem como uma importante fagulha para a teoria nova.

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